Os homens de 1926 sonharam e a obra concretizou-se
A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Moreira da Maia completou, em janeiro, 98 anos de história. Surgiu com um espírito de solidariedade notável, passou por várias dificuldades, chegando ao que é hoje, uma corporação composta por três secções no concelho da Maia e quase 100 elementos. Com 60 anos de idade e quase 40 ao serviço dos Bombeiros, o atual comandante, Manuel Carvalho, revela ao Maia Hoje que este ano, irá abandonar a sua comissão de serviço.
A 24 de janeiro de 1926, reuniam-se em casa do moreirense Albino Vieira Pinto, várias figuras como Carlos Gonçalves Júnior, António Galo d’Oliveira, Manuel Augusto Correia Guimarães, Mário Gonçalves Pereira, Carlos dos Santos Oliveira, Artur Maria Cardoso e Francisco Bento da Ponte, conscientes da necessidade de uma instituição humanitária em terras do Lidador, que ousaram passar do sonho à realidade, criando a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Moreira da Maia.
A Maia vivia quase exclusivamente de uma agricultura sem mecanização, a indústria estava diretamente relacionada com os produtos agrícolas, consubstanciando-se praticamente a padarias e tratamento de linhos ou moinhos do rio Leça, profissões ligadas às artes do metal, como os ferreiros ou ainda, num período/época curto e ligeiramente mais distante.
Foi neste contexto de ruralidade profunda e de dificuldades, que o processo se desenvolveu através de apoios dados pela população. Os lavradores de Moreira e de Vila Nova da Telha disponibilizavam os seus carros de bois para o transporte de saibro e de pedra; as mulheres colaboravam nas festas do “vestido de chita” ou “concurso de misses” na festa da flor, trabalhando gratuitamente em prol da novel instituição; os grupos culturais e desportivos garantiram o resultado das bilheteiras nos eventos que patrocinavam e os dirigentes preocuparam-se com a elaboração de um espaço cénico para os grupos de teatro.
E daquela reunião de 24 de janeiro, que prosseguiria quatro dias depois, haveria de sair uma comissão organizadora que veria em Carlos Gonçalves Júnior a figura de presidente eleito, secretariado por Augusto Correia Guimarães e António Galo d’Oliveira, cabendo ao anfitrião a função de tesoureiro.
A seis de fevereiro de 1926, realiza-se uma outra reunião que vai definir a aprovação dos estatutos por unanimidade e a criação da denominação que hoje ostenta- Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Moreira da Maia.
Banda de Música dos Bombeiros Voluntários de Moreira da Maia
No mesmo ano, a 31 do mês de março, a Banda de Moreira incorpora-se na Associação e passa a denominar-se “Banda de Música dos Bombeiros Voluntários de Moreira da Maia”.
Em maio verifica-se o aluguer da sede social no edifício de Albino Vieira Pinto, no lugar da Estação, mediante o pagamento de mil escudos por ano (5 euros, hoje).
Para as deslocações desta Banda, é contratado a título gracioso, um passe de comboio de e para a cidade do Porto.
Multiplicam-se os esforços conducentes à organização de fundos para fazer face à compra de material adequado a um corpo de bombeiros, dando-se conta da aquisição, por quinhentos escudos (2,5€), da primeira escada de gancho obtida em 2ª mão.
Consequentemente, a Associação viu um aumento do número de sócios.
O crescimento
Em outubro realizam-se as primeiras eleições que elegeram o Tenente Carlos Moreira para o lugar de 1º Comandante e Carlos Gonçalves Júnior para o 2º lugar na hierarquia do comando.
Nesta fase, os Bombeiros de Moreira limitavam-se a algum material como machados, a já referida escada de gancho e uma bomba braçal montada numa carreta. Mas em novembro de 1927, surge a indicação de uma viatura automóvel de marca “Hot-kiss”, tendo custado 6.250 escudos (32€) e a sua adaptação a pronto-socorro onerado essa verba em mais 11.347 escudos (57€).
O 16 de setembro de 1928 vieram a Moreira e a Vila Nova da Telha altas individualidades civis, militares e religiosas para procederam à inauguração do edifício escolar, constando ainda no programa de visitas a inauguração da luz elétrica nestes dois focos habitacionais, pelo que se aproveitou o evento para batizar o pronto-socorro bem como o estandarte da Associação.
No início de 1929 são definidos os preços a cobrar no transporte para o hospital, acontecendo também a reeleição do comando.
Compra de terreno para o quartel
Em junho de 1929, é oferecido um terreno no lugar de Pedras Rubras, para edificação do quartel.
António Francisco Dias e a sua direção, confrontados com a exigência do ofertante, Joaquim Dias da Silva, da devolução do mesmo em caso de dissolução da Associação (uma vez que era recente) e tendo em consideração que estatutariamente teria de ser a Câmara Municipal a receber o património associativo numa tal eventualidade, optaram pela sua não aceitação, acabando por ser comprados 727 m2 por 9.835 escudos, no lugar da Estação a António Silva Salgueiro, de que se lavrou escritura a 26 de agosto de 1929.
1º Quartel
Em setembro de 1930 chegou o momento pelo qual todos aguardavam, a inauguração do quartel. A mudança para o outro lado da rua, significava o deixar de pagar renda e o culminar de um esforço coletivo para levar a bom porto o sonho da Associação.
Estatuto de Utilidade Pública
A 23 de novembro, os Ministros da Agricultura visitam o local, o que levou à solicitação do estatuto de utilidade pública que viria a ser conferido a esta instituição no dia de S. João do ano seguinte.
Criação das frentes de Nogueira e de Águas Santas
A 12 de julho de 1982 inaugurou-se a 1º Secção, localizada na Rua do Rio, na freguesia de Nogueira.
Segundo Manuel Carvalho, atual comandante dos Bombeiros de Moreira, entendeu-se que era muito importante a proximidade do socorro «propôs-se à direção e com autorização da Junta de Freguesia de Nogueira tivemos as instalações que ainda o são hoje. Adaptamos a secção de Nogueira e passou logo a haver uma proximidade.
Em 1987 surge o destacamento de Águas Santas que vai possibilitar uma cobertura mais eficiente ao concelho «fica numa área populacional muito grande que tinha o beneplácito de ter três corpos de bombeiros próximos na altura, que era Areosa, Rio Tinto e São Mamede Infesta» refere o comandante, destacando «são secções pequenas, mas temos os meios essenciais» termina.
Atualmente e, segundo o comandante Manuel Carvalho, há atualmente 89 elementos no ativo mais infantes, cadetes e reservas; cinco viaturas de socorro/ emergência, ou seja, as ambulâncias e os carros de encarceramento; três carros de combate a incêndios urbanos; quatro carros de intervenção de fogos florestais e três autotanques.
Para conseguir responder a todos os pedidos, são precisos apoios monetários para pagar a funcionários e para manutenção de viaturas que, segundo o comandante, já são antigas. Assim, o corpo de bombeiros tem inicialmente uma verba para execução dessas questões que é dada pela Autoridade Nacional de Proteção Civil. Já o serviço de saúde emergência é pago pelo INEM «porque cada serviço tem um custo» e a autarquia «dá um subsídio pré-definido e aprovado para emergência». Quanto a salários, existem cinco elementos na secção de Moreira e «50% dos seus ordenados são pagos pela autarquia e 50% são pagos pela Autoridade Nacional de Proteção Civil».
De Bombeiro Voluntário a Comandante
Passados os anos, a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Moreira foi crescendo. Inaugurou-se um novo quartel; um salão de espetáculos e uma nova “motobomba”; adquiriu-se um novo terreno para garagem; novos materiais e direções foram mudadas.
Até que chegou a altura de Manuel Carvalho assumir a função de Comandante, função que ocupa atualmente, desde 2001.
Tudo começou há cerca de 37 anos, quando Manuel Carvalho decidiu tornar-se bombeiro voluntário «eu vim no ano em que terminei a minha licenciatura. Sou engenheiro eletrotécnico e de computadores e, na altura, quando terminei o curso em 1987 abracei esta carreira de voluntariado», não fazendo disto a sua profissão «não é a minha atividade profissional, tenho outra, mas vim por voluntariado e vou sair como voluntário».
No ano de 1992, Manuel Carvalho foi convidado pelo comandante Moreira para assumir esta função, pois «em 2001 entrou uma nova lei em vigor, que obrigava os comandantes, com mais de 65 anos, a retirar-se do comando, que foi o que aconteceu ao Sr. Comandante Moreira». A direção concordou com a escolha «entenderam que eu era opção correta para esta função e cá estou eu. Já muitas direções passaram em 30 anos de comando, já passei por 10 eleições, vários e diferentes órgãos sociais, mas também diferentes presidentes e diferentes elementos de Direção e da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal».
Em todos estes anos, o responsável admite que «a exigência tecnológica e a exigência de acompanhamento dos corpos de bombeiros não é aquilo que era há 30 anos ou há 32 anos», ou seja, há novas leis e exigências «antigamente eu podia comprar um jipe pintava-o, adaptava-o e depois fazia-se um pedido para ser viatura e normalmente era aceite com uma verificação da vistoria, agora não».
Relembra ainda que há cerca de 30 anos, quando surgia um incêndio numa mata, a população estava pronta a ajudar «os agricultores combatiam o incêndio com os tratores a deitar água e, hoje em dia, a população está à espera que os bombeiros tenham os meios e façam o seu trabalho».
Função de comandante:
São muitas as histórias que Manuel Carvalho tem para contar, mas em conversa com o Maia Hoje, comentamos com o responsável que reparamos que não está sempre presente em todas as ocorrências. Mas, quando é que está?
O antecessor de Manuel Carvalho passou-lhe a mensagem de que «se queres ser comandante, não vais ao incêndio, porque a função do comandante não é ir a todos os incêndios».
Assim «quando há um morto, que tem implicações diversas, eu entendo que deva ir. Quando está no CIOPS, a autoridade liga comigo e eu recebo a chamada e vou».
Com 60 anos de idade e quase 40 ao serviço dos Bombeiros, o comandante Manuel Carvalho revela ao Maia Hoje que, em 2024, abandona a sua comissão de serviço.
Fonte histórica: Revista comemorativa dos 75 anos dos BV Moreira – Maia