Uma justiça sob amarras
O ADN Português que partiu com as primeiras caravelas, hoje, navega as ondas digitais, onde semi parafraseando Alberto Caeiro – todos «julgam como uns danados».
O mundo adapta-se, a sociedade apura-se, mas a Justiça – essa – parou e não acompanha. A Justiça não responde aos tempos modernos. Comunica pouco e quando o faz, comunica mal. Comunica mal porque vive prisioneira – subserviente das luzes. Do mediatismo. Dos comentários. Dos títulos jornalísticos. Abandonou a impermeabilidade, e já não mais age – antes reage. É uma Justiça em aflição de ostentar a sua própria existência.
Em cada julgamento o arguido não está sozinho naquele banco de madeira. A Justiça senta-se ao seu lado, com os mesmos receios, suor nas mãos, olhar de preocupação de quem não tem advogado que a ampare. É uma «justiça-arguida» em cada audiência, cada entrevista, ou aparição em público. Uma justiça incapaz do distanciamento bastante para exprimir a sua convicção – livre da imagem da sua cabeça na guilhotina. Uma justiça que esqueceu a sua família, a sua linhagem, que olvidou a sua herança. Pior, faz-se ouvir ao arrepio do legado que recebeu. Um legado nobre, porém, abandonado. Que a afasta da sua origem fundamental no Estado de Direito – que se diz democrático. Assim, nas decisões que toma, tem uma necessidade desmesurada dos aplausos nas bancadas, onde se vai travestindo entre cervejas e tremoços, sentando-se à mesa dos revoltados e populistas de programas da manhã.
A Justiça procura hoje recuperar a sua imagem de soberania, agradando a quem a defraudou. Tomando partidos, antecipando movimentos, no fundo, obstaculizando o seu conhecimento, mestria e capacidade de responder com assertividade. A maquilhagem da Justiça só pode acontecer por sentenças e acórdãos corajosos mas acima de tudo, independentes.
Infelizmente, vivemos uma justiça que se deixa assombrar pelos holofotes que lhe são apontados, sendo que pouco mais faz, senão, procurar encantá-los. Não lida bem com o cheiro do estúdio, com o teleponto, nem mesmo com o pano que teima em não fechar num palco tão virado para o mundo. Transpira das mãos quando se ligam os microfones, e de manhã, enquanto toma o seu café, fica expectante a questionar, se decorou bem o texto no domingo, para quando for chamada a depor na segunda-feira, então, saber responder.
Opinião de Ivo Filipe de Almeida