Venezuela foi a eleições e a democracia foi a derrotada
A Venezuela foi a eleições. Certo é que nenhum de nós pode – e provavelmente poderá – asseverar que os resultados anunciados correspondem efetivamente às atas eleitorais ou a cada uma das mesas de voto. No entanto, e dadas as circunstâncias que conhecemos, esta impossibilidade probatória não nos deve impedir de refletir ou de retirar uma leitura importante.
Numa gritante falta de democraticidade, foi o próprio Nicolás Maduro que ao arrepio das sondagens realizadas à boca das urnas, anunciou a sua vitória com 51% dos votos.
É impensável um ato eleitoral não ter uma comissão independente para anunciar os resultados, ou sequer ser escrutinado por um poder judicial imparcial dotando o sufrágio de transparência e rigor.
Não fosse existir alguma dúvida sobre o lado negro da história em que estas eleições se enquadram, e de pronto, a Rússia e a China apressaram-se a reforçar o seu apoio a Nicolás Maduro, exigindo que a oposição admita a derrota.
Nicolás Maduro é um populista, mas é igualmente um produto de Hugo Chávez que em 2007 realizou um plebiscito com intenção de contornar a norma da limitação de mandatos. Não nos iludamos, só os ditadores que se querem perpetuar no exercício do poder. Só os ditadores só apreciam a democracia – quando não há mais que um candidato. Nicolás Maduro é este tipo de líder e este tipo de ditador.
Infelizmente a América Latina tem sido terreno fértil para regimes populistas, caudilhistas e militarizados.
Esta deriva militarizada e autoritária é inaceitável. Por isso, é extremamente importante que a comunidade internacional produza ruído, se faça ouvir. Que trace as diferenças e aponte as linhas vermelhas. Não deve haver fadiga na denúncia. Não se trata de esquerda ou direita, mas de democracia.
Venezuela é provavelmente o único país do mundo que não tendo atravessado uma guerra ou um tenebroso desastre natural, conseguiu ser o país mais rico da América Latina – com as maiores reservas de petróleo do mundo – para duas décadas volvidas, transformar-se num dos países mais pobres – onde mais de 60% da população vive em pobreza extrema, em grave carência alimentar, sem acesso a previdência ou apoios sociais. É um país com um flagrante desrespeito pelos direitos humanos onde existem pelotões informais capitaneados pelo governo – para intimidar as pessoas.
Para os mais desatentos, é importante recordar que dada a imensa comunidade lusodescendente, a Venezuela não é um país como qualquer outro. A Venezuela é uma parte de nós, bem como nós somos uma parte da Venezuela.
Também por isso, não se trata de partidos ou ideologias. A mensagem a passar de forma intransigente – externa e em Portugal – é que não se pode apoiar um regime que tiraniza o seu povo, que oprime as suas gentes. Não se pode apoiar um regime que não respeita a democracia, nem apoiar esta ignomínia.
Ivo Filipe de Almeida
Advogado;
Deputado na Assembleia Municipal de Almada