Quem não é para procriar não é para trabalhar

Quem não é para procriar não é para trabalhar

Lucília Gago, Procuradora-Geral da República foi ouvida em comissão de inquérito já de camião de mudanças cheio de fotografias tristes e a porta de saída escancarada. Na verdade, teve uma última oportunidade para lavar a cara de uma casa desarrumada, mas escolheu sair como entrou – a arrastar os pés e a levantar cada vez mais o pó.

Não é bom para ela, mas é pior para o Ministério Público.

Entrou arrogante e saiu presunçosa. Entre estes dois momentos não teve a capacidade de entender – que em democracia – quem serve a causa pública deve sentir que os esclarecimentos sobre serviços prestados à república são uma ferramenta necessária, aliás, imprescindível, e acima de tudo, de respeito para com aqueles cujo seu trabalho se dirigiu – as pessoas.

Mas pelo contrário, apresentou-se em modo predefinição, fechada, austera e a assumir ad initium vítima de um súbito interesse inexplicável – quase implicativo – por parte do poder político.

Após a audição compreende-se que o silencio de Lucília Gago ao longo de todo o mandato não era o pior dos cenários. Afinal, na comissão, onde se libertou da boca cozida, olhos vendados e ouvidos tapados, lá falou – mas conseguiu deixar saudades do seu próprio silêncio.

Escolheu mostrar-se incapaz de responder a muitas das questões que lhe foram colocadas – questões essas que muitos portugueses queriam ver respondidas – e ofereceu, novamente, uma postura de incapacidade de autocritica, fechada na sua bolha tão alternativa da realidade.

Escolheu deixar uma fragrância de inimputabilidade, de quem não tem de prestar contas a quem quer que seja. Arrogância de quem encara qualquer questão desconfortável – sobre o péssimo trabalho que tem desempenhado – como mais não sendo que uma clamorosa ingerência política no poder judicial.

Lucília Gago entendeu que português algum deve saber como é gerido o órgão constitucional com competência para exercer a ação penal. Exercer a força coerciva sob qualquer cidadão.

Lucília Gago, entendeu que não deve dar explicação sobre as diretrizes que deu para procuradores não participarem em determinados congressos.

Lucília Gago entendeu que não deve explicações sobre a abertura de processos disciplinares a procuradores por terem escrito artigos de opinião.

Lucília Gago entendeu que não deve informar os portugueses sobre quantos inquéritos estão abertos por violação do segredo de justiça, ou sequer que diligências tomou o Ministério Público a propósito desse crime que passou a ser regra.

Lucília Gago entende que a interceção de escutas telefónicas são usadas apenas quando necessárias – quando existem, atualmente, mais de 10 mil telefones sob escuta.

O facto de ter entregue o relatório de atividades do Ministério Público com três meses de atraso – até isso – foi responsabilidade da greve dos funcionários judiciais. Todos podem ter culpa. O vento, o Benfica ou o éter, mas não Lucília Gago. Nunca o Ministério Público sob a sua tutela.

Demonstrou uma ausência absoluta de espírito crítico interno do próprio Ministério Público.

Mas o pináculo do absurdo foi arremessar as culpas dos atrasos sistemáticos – falhas que só a ela lhe podem ser assacadas – ao Ministério Público por ser uma estrutura com mulheres – que têm a mania de engravidar. Este é um discurso dantesco.

Fez no dia 25 de abril de 2024, 50 anos em que as mulheres passaram a ter acesso às magistraturas. As mulheres, seja nas magistraturas ou em qualquer outra função nunca serão um constrangimento. É evolução, é paridade, é igualdade, é democracia, é estado de direito.

Constrangimento, por sua vez, é o que todos os portugueses devem sentir quando têm como superior hierárquica do Ministério Público alguém sem o mínimo de competência e capacidade para o gerir.

Lucília Gago passou todo o seu mandato em silêncio, fingindo que vivia noutro planeta. Ontem abriu a boca, e confirmou-o.

Ivo Filipe de Almeida
Advogado;

Deputado na Assembleia Municipal de Almada

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