Europa – A Crise da Adolescência
A eleição de Donald Trump em 2016 bem podia ter sido um epifenómeno. Um intervalo democrático arquivado nos momentos baixos dos Estados Unidos da América como uma “anomalia corrigida” em 2020 – com a eleição de Joe Biden. Mas não foi. O partido democrata, ao longo do mandato de Joe Biden, cometeu o erro de se esquecer da classe trabalhadora. Muitos daqueles cidadãos americanos que trabalhando nos auspícios de uma meritocracia tão propagada – mas que não chega – viram-se órfãos de quem os defendesse. Sem voz que manifestassem as suas inquietações.
Atualmente, 60% dos cidadãos americanos vivem uma era ímpar de salários baixos e desigualdade na distribuição da riqueza. Aliás, os salários médios atuais ajustados à inflação, são inferiores aos de há 50 anos. Pela primeira vez, nos Estados Unidos da América nascem jovens cuja qualidade de vida será inferior à dos seus pais. Se por um lado inexistem cuidados de saúde acessíveis à grande maioria da população, por outro, os Estados Unidos da América têm os medicamentos mais caros do mundo. É impossível esquecer aquela chocante, mas realista linha de Jeffrey Warren na série The Newsroom de Aaron Sorkin quando uma aluna questiona porque é que a América é o melhor país do mundo.
Era ao Partido Democrata que cabia essa atenção. Essa ausência de cuidado, transformou o que podia ser um epifenómeno [2016] numa América capaz de reeleger um criminoso condenado – e que até ao dia de ontem era julgado como autor moral de um ataque ao coração da alegada maior democracia do mundo, isto é, ao poder legitimamente eleito. Uma América que elege alguém que admira ditadores, e ostenta olimpicamente uma vendeta de perseguição aos seus adversários políticos – para tal, recorrendo à máquina do estado que controla em co-autoria com o homem mais rico do mundo que se dedica a modelar algoritmos da mais influente rede social na política americana.
E deste lado do atlântico sobramos nós, mais frágeis e isolados depois desta eleição. Dificilmente a eleição de Donald Trump poderá ser vista como benéfica para os países da Europa, para a União Europeia, para a Nato, ou seja, para o projeto europeu. Também por esse motivo, a Europa terá o desafio da sua emancipação. Até então, Europa tem sido uma adolescente que viveu confortavelmente em casa dos pais. Com mesada e sem precisar de fazer grandes contas. Dito isto, este é o momento da Europa parar e tomar uma decisão profunda. Saber se quer ou não estar unida para defender os seus interesses e os seus valores. O momento para que se definam políticas de defesa e políticas económicas estratégicas para uma Europa que não deverá depender em demasia de fatores externos para se fazer ouvir – quer nas suas ideias ou nos seus atos.
Caso a resposta seja afirmativa, as dores de crescimento serão notadas. Por todos.
Ivo Filipe de Almeida
Advogado;
Deputado na Assembleia Municipal de Almada