Antes que a memória se apague
Os pontos nos is.
As datas em si pouco valem. O importante são os factos em si, aquilo que comemoramos e o peso histórico que as datas traduzem na vida de uma pessoa, de um povo, ou de uma nação.
Vem isto a propósito da controversia sobre o 25 de Novembro de 1975, efeméride que a estultícia de muitos teima em considerar irrelevante, ou a associa-la politicamente á direita, como ouvi há tempos dizer ao lider parlamentar do PS, Brilhante Dias.
Brilhante, neste caso, na asneira, porque nem o facto de á data ainda não ter nascido ou andar de fraldas, serve de desculpa.
A questão é simples. O 25 de Abril de 74 acabou com uma ditadura fascista, que nos amordaçou ao longo de quarenta anos e restituiu ao povo a LIBERDADE. O 25 de Novembro de 75,travou a deriva que nos arrastava para uma ditadura comunista e colocou Portugal no trilho da DEMOCRACIA.
Sem o golpe militar de 25 de Novembro, a democracia teria sido “ sovietizada “, Portugal tinha sido arrastado para uma guerra civil correndo o risco de se transformar, no ocidente europeu, num satélite da Rússia e numa versão de Cuba !
Nestes últimos dias, ao dedilhar pelas redes sociais, surpreendeu-me a iliteracia de muita gente sobre o 25 de Novembro e a estupidez de algumas publicações. Obviamente que a data é maldita para os Comunistas e para os Extremistas de esquerda, derrotados nesse dia.
Vamos aos factos e pôr os pontos nos IS.
A revolução de 25 de Abril, promovida por um grupo de capitães, teve como primordial objetivo acabar com a guerra colonial, onde combatiam cem mil homens.
Naturalmente que a queda da ditadura fascista abriu as portas a uma democracia que, na sua declaração de principios, o MFA – Movimento das Forças Armadas definiu como uma via para o socialismo.
Quase na sua totalidade o povo português não tinha formação política, incluindo os próprios quadros das forças armadas, num País de partido único, a União Nacional.
O PS tinha sido fundado em Berlim um ano antes, em 1973.A ala mais liberal na Assembleia da República, onde pontificavam Francisco Sá Carneiro e Pinto Balsemão, fundaram o PPD, Diogo Freitas do Amaral e Amaro da Costa criaram o CDS.
Num ápice, ao abrigo da palavra socialismo, surgem dezenas de partidos revolucionários de cariz marxista e leninista. O PCP, que atuava há décadas na clandestinada, com células em vários segmentos da nossa sociedade, sobretudo nos meios operários, rápidamente assumiu o controlo da situação.
O País pintou-se de vermelho, com manifestações de rua quase diárias, a designada luta de classes entrou nas discussões do quotidiano e os portugueses estavam divididos entre Revolucionários ou Reacionários.
Portugal estava em pleno PREC- Processo Revolucionário em Curso.
O Presidente da República, general António Spinola, fala numa “ maioria silenciosa “, que não concorda com o rumo que o País está a tomar, o suficiente para dar origem ao Contra Golpe de 11 de Março de 75. As cidades de Lisboa e Porto enchem-se de barricadas nas ruas, sob o grito de “ A Reação Não Passará “. Os discursos são dirigidos aos “ Camponeses, Soldados e Marinheiros “, na Tv explica-se o que é ser “ fascista “ e apela-se ao sentimento revolucionário.
As viaturas são obrigadas a parar nas barricadas para serem inspecionadas e, em Lisboa, um automobilista desobediente é abatido com rajadas de tiros.
O Presidente da República, general Spinola pressente o perigo e foge do País, tendo o Conselho da Revolução nomeado o general Costa Gomes para o seu lugar.
No dia 14 de Março sucedem-se as Nacionalizações da Banca, Seguradoras, Empresas Elétricas, de Transportes e Petrolíferas. Os novos administradores são comissários políticos e quadros do Partido Comunista. Nos discursos oficiais, reafirma-se a “ criação de um sistema socialista com o poder nas mãos dos trabalhadores. Nas cerimónias oficiais,o hino nacional é seguido do hino da Intersindical.
Com efeito, o Partido Comunista tomou de assalto todo o movimento sindical, entretanto criado, a administração das Empresas Públicas e penetrou nos quarteis, partidarizando os militares, a pretexto de estarem ao lado do povo.
Mas também nas empresas privadas os patrões são saneados, muitos fogem de Portugal sob ameaças e refugiam-se em Espanha, ou no Brasil. As empresas são ocupadas e passam a ser administradas por Comissões de Trabalhadores. Dá-se a ocupação de casas vazias e de propriedades no Alentejo a pretexto de que “ a terra é de quem a trabalha “. Nas cidades não há paredes que não estejam grafitadas com as figuras de Lenine, de Trotsky ou Che Guevara, de foices e martelos com palavras de ordem. Nas rádios e nos palcos, ouvem-se canções de intervenção o dia inteiro.
A via para o socialismo democrático tinha desviado a agulha para uma linha comunista.
Estamos no Verão Quente de 1975. No jornal República, afeto ao PS, a direção é afastada pelos trabalhadores o que leva Mário Soares a exigir liberdade de imprensa. A resposta dos grupos de esquerda foi tomar de assalto e silenciar a Rádio Renascença.
Na RTP, Mário Soares,lider do PS, num aceso debate que entrou em todas as casas, acusa Alvaro Cunhal,lider do PCP de querer instalar uma ditadura comunista em Portugal, ficando na memória a resposta : – olhe que não, olhe que não.
O povo português, sobretudo nas regiões do interior, está assustado com a onda de boatos e inicia uma corrida aos bancos.
Em Braga, uma manifestação de apoio ao bispo termina com a destruição da sede do PCP. Nas semanas seguintes, na região norte, as sedes do PCP são destruidas e incendiadas em várias localidades. De noite na cidade do Porto, ouvem-se detonações que incedeiam e destroem automóveis de conhecidas figuras.
Nos quarteis reina a rebaldaria, plenários de praças e de sargentos desrespeitam a autoridade
dos seus superiores. O quarteleiro de Beirolas, onde estão guardadas milhares de armas e munições, diz á Tv :- estas armas estão ao serviço dos trabalhadores, nunca se virarão contra o povo. E o 1º Ministro, Vasco Gonçalves vai ao ponto de dizer:- Não se pode perder por via eleitoral, aquilo que tanto tinha custado ao povo português…
Em causa estavam as eleições para a Assembleia Constituinte e a elaboração de uma nova Constituição da República,contra a vontade do PCP e dos grupos extremistas, para quem a via era a da revolução. “ Força, força companheiro Vasco, nós seremos a muralha d`aço. “
Deu-se o cerco á Assembleia da República por operários, os deputados só sairam no dia seguinte, com os representantes comunistas, de punho no ar, a serem aplaudidos .
Os resultados das Eleições Constituintes, com uma participação de 95% dos portugueses deu a vitória ao PS, com 38%, seguido do PPD e só depois, bem distante o PCP.
Os resultados eleitorais deram ao PS e ao próprio PPD outra legitimidade aparentemente desconhecida. Em Lisboa, Mário Soares convoca uma concentração para a Alameda, que ficou para a história como o Comício da Fonte Luminosa e inicia uma luta tenaz pelo socialismo em liberdade,que acaba com a demissão de Vasco Gonçalves e do seu Governo pro-comunista.
O problema está, porém, radicalizado nos quarteis, há uma enorme tensão social e pressão popular sobre os militares. O espetro de uma guerra civil é real. De um lado estão os militares afetos a Otelo, Comandante do COPCON. Do outro estão os militares moderados, que tinham elaborado o Documento dos Nove,liderados por Melo Antunes, reposicionando os ideais de 25 de Abril, de que tinham sido os principais obreiros.
Com estes estavam os Comandantes das Regiões Militares do Norte ( Pires Veloso ), do Centro ( Franco Charais ) e do Sul ( Pesarat Correia ) e os seus quarteis. Também a Escola Prática de Infantaria, em Mafra, a Escola Prática de Cavalaria,de Santarém e os Comandos na Amadora.
As forças Otelistas tinham o apoio de Carlos Fabião, Chefe do Estado Maior do Exército, as bases aéreas de Monsanto, de Tancos, Montijo, Ota e a Polícia Militar entre outras unidades, como o RALIS, sob o comando de Dinis de Almeida, com os canhões apontados para a auto estrada do norte. Contavam-se as espingardas. Portugal era um barril de pólvora que preocupava os Estados Unidos e a Europa ocidental.
O novo 1º Ministro, Pinheiro de Azevedo suspende a atividade do Governo, obrigando o Presidente da República, General Costa Gomes, a decidir-se…
Os Comandos liderados pelo Tenente coronel Jaime Neves tomam a Base de Monsanto e libertam o general Pinho Freire. Todas as bases aéreas são desmobilizadas. Com Ramalho Eanes a coordenar as operações, a Polícia Militar é neutalizada pelos Comandos havendo a lamentar, na troca de tiros, três mortos.
O VI Governo provisório retoma a sua atividade. Otelo Saraiva de Carvalho deixa o COPCON e Carlos Fabião é substituido por Ramalho Eanes no Comando do Exército.
Portugal pode finalmente respirar de alívio, foi o fim do PREC e do MFA. Os militares regressam aos quarteis e os manifestantes aos seus postos de trabalho. A política foi entregue aos políticos, tendo Mário Soares e Sá Carneiro como as maiores referências. Ramalho Eanes viria a ser eleito, anos mais tarde, Presidente da República.
No breefing final do 25 de Novembro, na presença das altas patentes militares, Jaime Neves foi claro : – estava a ser feita uma traição ao povo e aos ideais de Abril e por isso tivemos de ir para o terreno e evitar uma luta de consequências imprevisiveis….
Afinal, o que é que o 25 de Novembro tem a ver com a Direita ? “ Pontos nos Is “ !
Miguel Ângelo Rodrigues, Provedor do Munícipe da Maia
miguelrodrigues.maia@gmail.com