Dois de 27, ainda flutuamos?
Em 15 de abril de 1912, no atlântico norte, o Engenheiro Thomas Andrews dizia ao Capitão Edward Smith que o Titanic foi projetado para conseguir flutuar com quatro compartimentos alagados, mas não com cinco – o que tornaria o naufrágio inevitável. A notícia foi recebida com incredulidade mas passadas 2:40h, a trágica realidade veio dissipar qualquer dúvida.
Cento e treze anos depois temos um projeto europeu [UE] com 27 estados-membros que não falam a uma só voz. As expressões dissonantes são cada vez mais vocais e publicitadas para gáudio de algum Leste. Por outro lado, economicamente, vivemos com velocidades a mais para um equilíbrio justo no caminho da propalada federação de Estados.
No entanto, o mais emergente são as duas crises no coração da Europa. A Alemanha e a França não são estados-membros como os demais. Sempre foi difícil, quando não impossível, tomar decisões contra ambos. São o centro político mais nefrálgico da UE, que deve fazer com que qualquer europeísta questione afinal – consegue a UE efetivamente “flutuar” com 2 de 27 estados-membros em profundas crises políticas?
É precisamente na altura que a maior ameaça externa (bélica, política, comercial/económica) se faz sentir na UE, que internamente, mais as visões sobre o nosso futuro se distanciaram. Há uma imensa dificuldade em saber para onde vamos. Para onde queremos ir, e já agora, de que forma o fazemos. Há uma tremenda inaptidão da UE em defender o projeto europeu. Nascido e criado da democracia, tomou-lhe as dores e os vícios. A par da democracia, o projeto europeu herdou-lhe a autofagia. A incapacidade de se defender da passagem do tempo. É a melhor de todas as formas de organização política, é certo, mas igualmente das mais frágeis e permeáveis.
No que respeita à segurança europeia, não ajudou a ingenuidade olímpica que deu abrigo a uma dependência exacerbada dos EUA, e que hoje, perante a realidade política atual, a Europa não sabe com o que contar. Internamente, serviços secretos de Estados-Membros espiam responsáveis da UE em Budapeste. A UE está de portas abertas ao despejo.
Charles de Gaulle tinha por hábito dizer que era impossível governar um país com 256 variedades de queijo. A sobrevivência da UE e do projeto europeu terá de passar, igualmente, por mudanças estruturais. A cosmética pode disfarçar nódoas negras, mas não resolve espaços vazios. Não colmata a ausência de um chão comum – é o que temos hoje. Infiltrações. A continuidade do projeto europeu impõe políticas pragmáticas e estruturais. Impõe especial atenção nos candidatos, mas essencialmente, capacidade, ao longo do tempo, de fiscalizar o cumprimento dos princípios europeus. Repensar a unanimidade em matérias de segurança – pois só assim a UE se defende da implosão.
Para tudo isso, impõem-se igualmente lideranças fortes, corajosas. Sem medo de ficaram manchadas – porque provavelmente ficarão. Que saibam que defender a democracia é também ser-se democrata.
Ivo Filipe de Almeida
Advogado;
Deputado na Assembleia Municipal de Almada