«A criatividade, mais do que o pensamento, é boa»
Numa pequena loja no Castêlo da Maia um homem de cabelos grisalhos e mãos calejadas trabalha com destreza há décadas, mantendo viva uma tradição que, aos poucos, desaparece: a arte de consertar sapatos.
José da Rosa, um sapateiro que dedica sua vida à arte do couro, é uma figura que preserva um ofício que, para muitos, já parece coisa do passado.
Natural da Bajouca, antiga freguesia de Gemunde no Castêlo da Maia, viveu com a sua avó até aos 10 anos. Começou a trabalhar aos 12 numa gráfica na Senhora da Hora, mas o negócio que parecia promissor, não resistiu aos desafios do mercado e fechou as suas portas.
José da Rosa começou sua trajetória como sapateiro muito jovem, mas ao longo dos anos descobriu também uma paixão pelo artesanato com couro, quando ao cortar uma sola reparou que esta tinha o formato de um Cristo. Assim, nos anos 90 resolveu desenvolver crucifixos e pintar quadros, como a Última Ceia de Cristo ou monumentos religiosos da terra.
Desemprego foi oportunidade
Quando viu a empresa para a qual trabalhava fechar portas, decidiu despedir-se e vir para casa trabalhar por conta própria, nos consertos. Com o tempo, expandiu as suas habilidades e produziu estofos de automóveis, de motas, sofás, cadeiras, entre muitos outros «nunca tinha feito tal coisa na vida, mas adaptei-me a fazer esses trabalhos».
A loja de José, com as suas paredes adornadas por quadros religiosos e peças artesanais, é um ponto de encontro para quem procura algo mais do que um simples conserto. Admite ser católico praticante e a paixão pela religião é visível aos olhos de quem entra na sua pequena loja.
Mas o mercado está cada vez mais restrito para os sapateiros, razão pela qual José da Rosa pretende dedicar-se apenas ao artesanato «preciso de tempo e espaço para mim e para a minha criatividade».
O sapateiro poeta do amor
Mas José não é apenas um mestre do couro. Quando ele se afasta das suas ferramentas e do silêncio da sua oficina, transforma-se num poeta. Ao longo dos anos, começou a escrever poesia, inspirada na sua vivência como artesão e na experiência que marcou a sua trajetória de vida. Os seus versos falam de memórias, da natureza, da sua profissão e ainda de amores e desamores.
«A minha escrita sai muito das vivências, dos amores que tive e maior parte dos textos são ficcionados, o que leva muitas pessoas a pensar que tenho mais uma namorada».
Apenas tendo a antiga quarta classe, escreve sempre quando pode, até mesmo quando está no Mercadinho de Natal no centro da Maia e facilmente as palavras saem da sua mente «eu tenho uma mente jovem e a criatividade mais do que o pensamento é boa», disse.
Não reconhecido na Terra
«Este artesanato é da Maia, criado por um maiato e segundo uma revista de língua inglesa, é único no mundo, pena que por cá não seja reconhecido. Sinto-me pouco valorizado, mas é sempre bom estar na Maia, a minha terra.
Já recebi vários prémios e distinções, o mais recente este ano, entre 70 artesões, como a melhor peça da Feira de Artesanato de Famalicão. Como escritor, já escrevi sete livros que a Maia… não conhece» e acrescentou «sito esta mágoa e só eu sei que cala bem fundo», disse algo entristecido.
O pequeno atelier de José Rosa é pequeno, mas mesmo assim ainda recebe visitas «antigamente até fazia parte do roteiro turístico da Maia. Vinham as camionetes, e os turistas visitavam a oficina. Tenho de tudo, cintos, pulseirinhas, bíblias encadernadas à mão, mochilas, presépios, figuras bíblicas e outros, mas tenho trabalhos que não vendo», disse o artista que, no entanto, autoriza visitas à sua loja/oficina no Castêlo da Maia.