A Hipocrisia Climática da COP 29: Discursos Ambiciosos, Ações Irrelevantes
A COP 29 chegou com a mesma pompa de sempre: líderes mundiais, ONGs e corporações enchem as salas de conferências com discursos inflamados sobre o futuro do planeta. Termos como “neutralidade carbónica”, “transição energética” e “descarbonização” são repetidos à exaustão. Mas, ao fim de cada cimeira, fica a sensação de que as soluções propostas ou são insuficientes, ou não atacam os problemas mais evidentes que enfrentamos.
Como acreditar na seriedade de um compromisso climático global quando questões básicas continuam a ser ignoradas? É impossível levar a sério uma agenda climática que não enfrenta, de forma prática, as contradições flagrantes do sistema atual.
1. Plásticos: A Epidemia Silenciosa
O plástico continua a ser usado de forma indiscriminada em praticamente todos os setores da sociedade. Enquanto há esforços marginais para reduzir os descartáveis, a realidade é que a produção global de plástico cresce a cada ano, grande parte dela voltada para embalagens. Onde estão os compromissos claros para enfrentar este problema? Não basta incentivar a reciclagem quando se permite que a indústria produza mais plástico do que o planeta pode gerir.
2. Transporte de Mercadorias: Um Sistema Ineficiente e Poluente
A maior parte das mercadorias no mundo é transportada por rodovia, um dos meios mais poluentes e ineficientes disponíveis. Por que não se prioriza um investimento massivo em ferrovias? Elas são mais sustentáveis, econômicas e seguras. No entanto, a lógica imediatista do lucro mantém o transporte rodoviário como o padrão, com governos cedendo aos interesses de grandes lobbies de combustíveis fósseis e indústrias de transporte pesado.
3. O Custo Inacessível de Transportes Sustentáveis
É um escândalo que, em muitas regiões, viajar de avião ou autocarro seja mais barato do que usar o comboio, mesmo em distâncias curtas. Essa discrepância não é casual: reflete décadas de subsídios para combustíveis fósseis e falta de vontade política para investir em sistemas ferroviários modernos e acessíveis. Como convencer as pessoas a optar por alternativas sustentáveis quando elas são economicamente inviáveis?
4. A Falsa Promessa da Mobilidade Elétrica
Veículos elétricos são apresentados como a solução mágica para a descarbonização dos transportes. Mas pouco se fala sobre o impacto ambiental da extração de minerais como lítio e cobalto, essenciais para as baterias. Esses minerais são extraídos frequentemente em condições laborais precárias e com danos irreversíveis para os ecossistemas. E, se a eletricidade que abastece esses veículos ainda vem de fontes fósseis, onde está a verdadeira solução?
5. Exportação de Poluição para Países em Desenvolvimento
Talvez a maior das hipocrisias seja a prática contínua de países desenvolvidos de exportar veículos e equipamentos altamente poluentes para nações em desenvolvimento. Como justificar que uma Europa com normas rígidas de emissões permita que os seus fabricantes enviem para África e América Latina carros que seriam proibidos de circular nas suas próprias ruas? Isso não é só antiético – é também uma traição à ideia de justiça climática.
Conclusão: Retórica Vazia e Ausência de Compromisso Real
A COP 29, como tantas outras antes dela, parece mais um palco para declarações de intenções do que um espaço para decisões concretas e transformadoras. Enquanto não se abordarem as questões práticas que estão ao alcance dos governos e instituições – como reduzir a produção de plástico, priorizar transportes ferroviários, regular mercados de exportação de poluição e tornar o transporte sustentável acessível –, a agenda climática continuará a ser vista como uma grande hipocrisia.
O combate às alterações climáticas não pode ser apenas uma questão de palavras e promessas a longo prazo. Ele exige ações corajosas e imediatas que enfrentem os interesses corporativos e revisem um sistema global construído para perpetuar desigualdades. A confiança pública só será restaurada quando as instituições mostrarem coerência entre discurso e prática – algo que, até agora, permanece ausente em eventos como a COP 29.
Maiato
Engenheiro civil com mais de 30 anos de experiência profissional.