Análises desviadas
E agora que começaram os debates sobre as eleições europeias, o ritual mantém-se.
Para cada trinta minutos de debate, temos oportunamente, sessenta minutos de comentário televisivo sobre o que ouvimos – mas que infelizmente para nós, não compreendemos. Sim, aparentemente, não fomos incapazes de entender. É uma espécie de tradução para leigos.
Convidam-se alguns comentadores – que se arrogam na superioridade interpretativa que nenhum simples mortal alcança – e explicam-nos, afinal, o que foi dito. Esclarecem com rigor, buscam as palavras ditas, mas mais que isso, promovem autópsias às que nunca se ouviram. Com isto, não apenas descodificam o que o candidato expôs, mas inclusive o que ele pensa. Também a sua agenda e ainda a estratégia. Tudo.
Aliás, não poucas vezes, e a partir de uma frase apenas, estes comentadores – quais argutos escrutinadores – desvendam toda uma aspiração futura do próprio candidato. Traçam perfis e pouco depois, lançam-se na derradeira questão: «afinal, quem venceu o debate?»
Chegados a este ponto é o espectador confrontado com princípios distintos do habitual. Uma espécie de realidade alternativa onde a falta de educação e arrogância pode ser confundida com conhecimento e assertividade. A novidade, só por si, encanta, e o debate é sempre vencido – afinal – por aquele candidato que mais se aproxima da ideologia/fação política de quem o avalia.
Se por um lado a experiência que vamos tendo é que os resultados eleitorais não tendem a corroborar as apreciações (em geral) dos comentadores, por outro, a questão «quem venceu o debate?» enceta cada vez mais, uma falácia.
É desde logo uma análise muito pobre, porque analisar os debates como se fossem uma partida de futebol – cujo resultado são números – poderá ser altamente certeiro desportivamente, mas é definitivamente insuficiente numa análise política.
É pobre porque os candidatos cada vez menos falam para arrasar o seu oponente, mas para alcançar públicos, nichos, e amostras particularizadas da sociedade. Maximizar o voto – é esse o intento.
Em rigor, aferir um vencedor de um debate, implicaria assim, auscultar toda uma sociedade para que se identificasse não apenas a parte da sociedade que alterou ou decidiu a sua intenção de voto em consequência daquele debate, e claro está, relacionar tudo isto com a dimensão de intenções de votos granjeada em comparação com os demais candidatos.
Esta é obviamente uma análise impossível. Tal como é muito difícil – para efeitos práticos – aferir um vencedor de um debate. Porque afinal, os critérios de uma «vitória mediática», nem sempre estão de mãos dadas com a leitura social. É que no fim, só essa importa.
Ivo Filipe de Almeida
Advogado;
Deputado na Assembleia Municipal de Almada