Antes que a memória se apague II
Há dias, no Parlamento, o lider da bancada do Partido Socialista, Brilhante Dias, disse, em tom de arrogante sapiência : – a direita quer comemorar o 25 de Novembro, para fazer esquecer o 25 de Abril…mas nós dizemos não !
Confesso que me senti incomodado e aquela tirada aumentou em mim a convicção de que a política, em Portugal, caiu nas mãos de gente miuda, ignorante e inútil.
Em 25 de Novembro de 1975, o deputado Brilhante Dias e uma grande parte dos deputados parlamentares, ainda não tinham nascido, ou então andavam de fraldas. Aliás, tal como em 25 de Abril de 74, o que não impede a atual geração de enaltecer a saga dos capitães de Abril, aquando da sua comemoração anual. O que é natural.
Da mesma forma que nenhum de nós era vivo no dia 01 de Dezembro de 1640, quando reconquistamos a independência da governação filipina. Como também não creio que haja alguem sobrevivo a 05 de Outubro de 1910, data da implantação da República.
E contudo, com maior ou menor literacia, comemoramos essas datas, consagradas como feriados nacionais e lavradas nos manuais escolares.
Para mim e para as pessoas da minha geração, que viveram o 25 de Novembro de 1975, é absolutamente indesculpável dizer disparates como o do Ofusco Dias, ainda mais quando se trata de um dirigente socialista. O Dr. Mário Soares e outras figuras do PS de então, devem andar às voltas nas sepulturas, porque o 25 de Novembro foi a derrota dos extremistas da esquerda e da direita e a vitória do centro político, moderado e democrata!
Já aqui uma vez escrevi que comemoro este dia, com um grupo de amigos que estiveram comigo na Guerra do Ultramar. Confraternizamos num almoço e brindamos ao Dia da Democracia. Porque, para nós, que vivemos por dentro os acontecimentos, a questão é muito simples. A revolução de 25 de Abril de 74, que os capitães da nossa geração levaram vitoriosamente a cabo e nos deu a liberdade, tinha como principal objetivo, ao derrubar o regime, acabar com a guerra no Ultramar e dar a independência às colónias. A instauração da democracia seria uma consequência e não uma causa !
Os oficiais do quadro, estavam condenados a comissões de serviço por dois anos, nas três frentes de guerra, com um ano de intervalo. Formados nas Academias Militares, tinham família, esposa e filhos e a ausência num palco de guerra infindável, era-lhes insuportável.
Deu-se o 25 de Abril, a libertação dos presos políticos, o desmantelamento da mais velha ditadura da Europa, regressaram ao País milhares de refugiados opositores ao regime, entre os quais Mário Soares e Alvaro Cunhal, que viriam a ser figuras preponderantes.
Os portugueses habituaram-se a ouvir, na RTP, o som de uma marcha militar, seguida de uma voz : Aqui, posto de comando do Movimento das Forças Armadas…
Em 26 de Abril, o M.F.A entrega o governo do País a uma Junta de Salvação Nacional, chefiada pelo general António Spínola e constituida por mais cinco oficiais superiores dos três ramos das forças armadas, conferindo-lhe o estatuto de governo provisório.
É então divulgado o Programa do Movimento das Forças Armadas, contendo precisamente no seu primeiro parágrafo “ o fim de 13 anos de luta em terras do Ultramar “, seguindo-se um conjunto de medidas que visavam a extinção do regime fascista e a instauração da liberdade.
Segue-se o PREC – Processo Revolucionário em Curso. Vamos aos factos.
Num ápice surgem mais de trinta movimentos politico partidários, com grande predominância da extrema esquerda revolucionária. O Partido Comunista que tinha já uma substancial base de apoio, através da sua atividade clandestina, foi assumindo o controlo da situação.
Portugal é uma jangada á deriva, a via para o socialismo, proclamada nas ruas e nos jornais tornou-se um chavão e quem discordasse era um perigoso reacionário. No interior de Portugal o medo instala-se, há boatos que conduzem á corrida aos bancos para retirar o dinheiro depositado e nas igrejas reza-se para afugentar o comunismo.
Em Setembro de 74, Spinola demite-se de Presidente da República para o qual tinha sido nomeado pela J.S.N., por não concordar com o crescente rumo marxista no seio do M.F.A.
Na realidade o Movimento das Forças Armadas dividiu-se em fações, e alguns dos seus principais atores não resistem ao envolvimento partidário.
Em contra mão, também os saudosistas admitem o regresso ao passado, travar a descolonização e atraem o general Spinola para os seus intentos.
Este fala numa MAIORIA SILENCIOSA que tem de reagir…
Espanha é o refúgio de muitos portugueses e em Fevereiro de 75 é fundado em Madrid o ELP – Exercito de Libertação de Portugal, de extrema direita.
Vivia-se um cenário marcado por boatos, desinformação e de conspiração.
Dá-se o 11 de Março, o ataque aéreo ao RAL 1, uma tentativa falhada de golpe da direita, mas que serve os intentos do Partido Comunista e da extrema esquerda marxista leninista.
A 14 de Março de 75 todos os Bancos e Seguradoras são nacionalizados, sendo os novos administradores comissários políticos do PCP. Nas empresas sucedem-se os saneamentos dos patrões e centenas de empresários, ameaçados e temerosos, refugiam-se no Brasil. A reforma agrária atravessa o Alentejo, expulsando os latifundiários e dando a terra a quem a trabalha . Nas ruas das principais cidades e vilas, ouviam-se canções vanguardistas.
A polarização no seio das Forças Armadas deixava, porém, adivinhar um confronto eminente.
Portugal parecia dois paises diferentes dentro do mesmo País. O povo era do PS e do PSD, mas as ruas enchiam-se de bandeiras vermelhas, as manifestações eram quase diárias e os órgãos de informação controlados pelo PCP, apresentavam um quadro diferente do real.
Timidamente ouvem-se vozes “ abaixo o comunismo “ e “ comunistas para a Rússia “. Em Junho de 75, no norte e no centro, as sedes do Partido Comunista são incendiadas, como aconteceu ao palacete em Arcos de Valdevez, onde flutuava a bandeira da foice e do martelo.
Todas as noites nas ruas do Porto, bombas explodiam destruindo automóveis estacionados, de conhecidos ativistas.
Em 19 de Junho de 75, na Alameda Afonso Henriques,em Lisboa, o PS de Mário Soares promove um grande comício, que ficou para a história como o Comício da Fonte Luminosa, onde marquei presença, e ergui o meu punho. Foi o discurso de uma vida e um momento histórico do lider socialista.
O Partido Socialista tinha acabado de ganhar as eleições para a Assembleia Constituinte, com 38 % dos votos, enquanto o PCP apenas teve 12%. Havia uma nova MAIORIA SILENCIOSA, que ganhou coragem, desceu á rua, com o PS á frente, bem acompanhado pelo PPD. A luta passou a fazer-se na rua, com fogueiras e barricadas, frente a frente.
Foi o VERÃO QUENTE de 75. Para o PS tinha chegado a hora de fazer coincidir a maioria eleitoral e sociológica com a vontade das ruas e do povo anónimo.
Encorajados, em 6 deAgosto, é publicado o DOCUMENTO DOS NOVE, um manifesto de militares moderados do MFA, que rejeita o modelo de socialismo do leste europeu e aponta para um modelo de social democracia europeia. Seria impensável a existência no ocidente da Europa de um satélite da URSS, como queriam Alvaro Cunhal e os comunistas.
As divisões no seio do MFA e do próprio Conselho da Revolução, que tinha sucedido á Junta de Salvação Nacional, eram imensas. Sucediam-se os Governos Provisórios.
De um lado havia o COPCON – Comando Operacional do Continente, comandado por Otelo Saraiva de Carvalho, o estratega do 25 de Abril, apoiado por militares fieis. Do outro lado estava o 1º Ministro, general Vasco Gonçalves, apoiado pelo PCP e pelo operariado sindical.
No meio da turba, o general Costa Gomes, nomeado Presidente da República, tentava o equilíbrio impossivel.
Numa terceira via, os militares moderados ( Melo Antunes, Vasco Lourenço, Pezarat Correia, , Canto e Castro, Vitor Crespo, entre outros ), tinham o apoio dos milhares de militantes entretanto filiados no PS de Mário Soares e no PPD de Sá Carneiro.
Cheirava a guerra civil ! Até porque, entretanto, Edmundo Pedro, um quadro dirigente do PS tinha assaltado a um paiol militar e feito uma distribuição de metrelhadoras G3…
Em 20 de Novembro o Parlamento onde se elaborava a nova Constituição da República, é cercado por operários e militantes afetos ao PCP e o novo 1º Ministro, Pinheiro de Azevedo, é sequestrado, tendo o governo declarado greve…Era o caos e a anarquia !
Em 25 de Novembro 75 dá-se uma sublevação de tropas paraquedistas que ocupam as bases aéreas de Tancos, Monte Real, Montijo e o Comando Aéreo de Lisboa, em Monsanto.
Há sinais de que militares afetos a Otelo e a Vasco Gonçalves se preparam para ocupar outras unidades. Otelo é chamado a Belém e fica preso. Costa Gomes vê-se obrigado a declarar o Estado de Sítio, situação extrema,que nem em 25 de Abril tinha ocorrido…
Sob o comando do tenente coronel Ramalho Eanes, as tropas dos Comandos da Amadora ás ordens do major Jaime Neves, dominam os revoltosos. Dos confrontos resultaram três militares mortos. Foi a aventura dramática, como lhe chamou Costa Gomes.
Com o triunfo do 25 de Novembro de 75 foi possivel legitimar os resultados eleitorais para a Assembleia Constituinte e aprovar a nova Constituição da República.
Mas mais. Foi o fim do PREC- Processo Revolucionário em Curso, do MFA e Portugal deixou de ser visto como uma nova Cuba na Europa iniciando, só então, a sua normalização democrática.
Só então Portugal foi internacionalmente considerado um País Democrático !
O sentimento de gratidão popular, pela paz finalmente alcançada, levou Ramalho Eanes a Presidente da República, o primeiro a ser eleito por sufrágio universal.
Na verdade, se o 25 de Abril de 74 nos deu a liberdade, foi o 25 de Novembro de 75 que nos abriu as portas da democracia.
Aos leitores do Noticias da Barca e a todos os meus conterrâneos, desejo um Santo Natal e um Feliz Ano Novo.
Miguel Ângelo Rodrigues, Provedor do Munícipe da Maia
miguelrodrigues.maia@gmail.com