Donald Trump regressa, a Europa estremece
Quatro anos e catorze dias após o ataque ao coração da democracia americana, o insólito tornou-se realidade: Donald Trump, criminalmente condenado, volta à Casa Branca.
Não como um presidente comum, mas como um símbolo de um país em convulsão. O tom de unidade e louvor democrático, habitual em momentos de transição de poder, foi substituído por uma coreografia de divisão. Trump não apenas regressa, mas regressa insuflado, um colosso populista que eclipsa o próprio sistema que o deveria limitar.
No seu discurso de posse, não se cumpriu a tradição de agradecimento ao presidente cessante; em vez disso, Trump destruiu o legado de Biden enquanto descrevia um país que não existe.
Este Trump é muito mais poderoso do que em 2016 e ainda mais perigoso.
O seu discurso desbragadamente populista, repleto de tiques de autocrata, conseguiu impor-se contra democratas, republicanos e contra a esmagadora maioria da comunicação social. A sua vitória social ultrapassou a política e já não tem apenas um eleitorado, mas fiéis acólitos, impermeáveis a factos. Nenhuma quantidade de evidências os poderá persuadir.
Donald Trump pode tudo, ou praticamente tudo. Ao contrário de presidentes americanos anteriores, limitados pelos mecanismos de checks and balances, Trump construiu uma narrativa que o aproxima mais das democracias iliberais e dos regimes semi-autoritários.
Apresentou-se com uma narrativa que legitima a concentração de poder, desafiando as bases da democracia americana. Foi um cenário marcado por escolhas que falam por si.
A escolha dos convidados para a sua tomada de posse foi um poema de mau gosto, mas profundamente simbólico. Ausentes estavam o primeiro-ministro britânico, o chanceler alemão e o presidente francês. Presentes estavam o presidente da Hungria, a chefe do governo italiano e o presidente argentino. A mensagem foi clara: Trump quer relacionar-se com países europeus, mas não com a Europa. Trump quer influenciar profundamente as políticas internas europeias, mas sem reconhecer a união como um todo.
Nos últimos anos, a prosperidade do projeto europeu foi alicerçada em dois pressupostos tão essenciais quanto frágeis: energia financeiramente acessível da Rússia e segurança nuclear geoestratégica garantida pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido. Hoje sabemos, que ambos os pilares ruíram.
Trump obliterou o tema Ucrânia do seu discurso de tomada de posse. Esta omissão não foi um acidente, mas uma mensagem.
Na nova estratégia de poder económico que Trump legitima, baseada na política do poder, e o isolacionismo americano, abre portas a reivindicações territoriais por parte de outras potências. Se os Estados Unidos de Trump podem reivindicar o Canal do Panamá, porque não pode a Rússia exigir parte da Ucrânia? Porque não pode a China reclamar Taiwan?
Trump não é apenas um presidente. Ele é o epicentro de um terramoto político que desafia os alicerces da ordem democrática global.
Agora, a Europa enfrenta uma prova de fogo para a sua própria sobrevivência: conseguirá manter-se unida e falar a uma só voz?
A Europa, até agora habituada a um parceiro americano previsível, precisa de se reinventar. A sua paz e estabilidade dependem da capacidade de resistir à maré isolacionista e de se afirmar como um bloco coeso. Não tem sido capaz de falar a uma só voz com a Rússia, terá de se esforçar de sobremaneira para o conseguir com Trump.
No entanto, a grande pergunta permanece: serão os Estados Unidos de amanhã mais parecidos com os Estados Unidos de ontem ou com a Rússia dos dias de hoje?
Ivo Filipe de Almeida
Advogado;
Deputado na Assembleia Municipal de Almada