Existe um défice democrático nos órgãos municipais da Maia?

Existe um défice democrático nos órgãos municipais da Maia?

O regimento da Assembleia Municipal aprovado em 2023 diminuiu a transparência das sessões e o dever de escrutínio do Executivo autárquico foi coartado por razões eleitorais. Apesar da reconhecida posição do município no índice de transparência, mais se exige àqueles eleitos para representarem os Maiatos e as suas instituições democráticas.

A Assembleia Municipal é um órgão deliberativo e responsável pelo escrutínio do funcionamento do Executivo Municipal, democraticamente, eleito por força dos resultados obtidos nas urnas e pela distribuição dos respetivos deputados pelos partidos mais votados. Mas este órgão, também, pode e deve ser escrutinado e servir de espaço de escrutínio a todos os cidadãos Maiatos, que, ainda, através dele podem ser ouvidos. O fim que todos ambicionam é o mesmo: melhor qualidade de vida de todas e todos os Maiatos. Neste sentido, apesar das motivações político-partidárias subjacentes, todos os deputados que foram eleitos devem ter à sua disposição todos os instrumentos, no período e âmbito necessários, para exercerem as suas funções representativas, aplicando-se, igualmente, a todos os Maiatos que queiram ter uma participação informada.

No passado dia 25 de junho decorreu a última sessão ordinária da Assembleia Municipal da Maia antes do período de férias e da entrada no período pré-eleitoral, tendo sido apresentado o relatório de contas do executivo municipal referente a 2023. No entanto, estas informações, apenas, são possíveis de ser obtidas por aqueles que, por sorte ou persistência, se mantêm muito atentos à informação publicada por este órgão. Neste sentido, destaco três pontos que devem ser melhorados de forma a tornar a Maia e os seus cidadãos uma referência democrática nacional.

Na sessão extraordinária de 15 de setembro de 2023 (a última com gravação disponível online), foi aprovado o novo Regimento da Assembleia Municipal da Maia que baliza as normas de funcionamento deste órgão, coadjuvadas pelas demais disposições legais. Entre as alterações introduzidas, destaco, em primeiro lugar, a deliberação no seu Anexo I sobre o regulamento da transmissão em direto, cujas gravações das sessões deixariam de estar disponíveis online para ser visualizadas ou consultadas mais tarde. Esta reversão é algo que não se compreende à luz de uma democracia mais forte que urge ser reforçada, além da importância da transparência para a manutenção da confiança nas instituições. Em comparação, os municípios de Matosinhos e Porto têm disponíveis as gravações online, devendo a Maia alinhar-se, também.

O segundo ponto está relacionado com a pluralidade democrática, cuja introdução do Artigo 39.º veio trazer através da proposta de realização de uma sessão extraordinária de debate sobre o estado do Município, apresentado pelo Presidente da Câmara Municipal, em sede da Assembleia Municipal. Ora, apesar da importante iniciativa e adoção no regimento, já não se pode dizer o mesmo sobre a introdução deliberada do ponto 7 que restringe a convocatória desta sessão nos seis meses que antecedem a data das eleições para os órgãos autárquicos. Este ato aparenta ser motivado pela preservação de um statu quo político-partidário que não se coaduna com a função de uma Assembleia Municipal que deve, novamente, exercer a função de acompanhamento e escrutínio do executivo Municipal.

Em terceiro lugar, há melhorias em prol da promoção da inclusão e participação dos cidadãos maiatos que devem ser consideradas. No regimento em vigor, encontra-se disposto que todas as convocatórias de sessões ordinárias e extraordinárias devem constar, obrigatoriamente, a ordem do dia, além das informações sobre data e hora, que já se encontram publicadas nos editais disponíveis no sítio da internet da Assembleia Municipal. Por isso, urge-se o cumprimento desta norma adotada, uma vez que as sessões ao não serem gravadas, dando a conhecer, antecipadamente, a ordem do dia, a qual poderá ajudar aqueles que querem assistir online a priorizar os pontos que terão mais interesse em acompanhar. Por outro lado, em prol da inclusão de pessoas com deficiência, neste caso auditivas, seria de considerar a possibilidade das sessões terem um intérprete de língua gestual que fosse visível tanto presencial, a quem se encontra nos Paços do Concelho, como a quem assiste online.

O município da Maia tem dado passos muitos positivos nos processos de prestação de contas e de transparência dos seus órgãos, seja por via da publicação de acesso público de todos os instrumentos governativos como os atos autárquicos adotados, por exemplo relacionados com a gestão de recursos humanos e procedimentos de contratação pública. No entanto, para elevar, ainda, mais a sua posição que é merecida a nível nacional, a análise da qualidade e da saúde dos atos democráticos não deve ser realizada através da ponderação dos aspetos positivos contra os negativos. Deve, antes, preservar o que bem se faz e melhorar o que coloca em causa o potencial défice democrático que é, neste momento, sentido. O retrocesso que o atual regimento reflete deve fazer os políticos democraticamente eleitos repensar sobre o bom funcionamento das instituições onde atuam e sobre as consequências e ilações que os cidadãos Maiatos poderão tirar.

João Paulo Magalhães
Médico e doutorando em políticas públicas

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