Maia| Problemas cardíacos foram obstáculos mas o amor pelo futebol venceu
RADAR DE IMPRENSA
In “TVI24”, 19 de novembro, 2021
Notícia original aqui
Zé Campos viu o sonho de jogar ao mais alto nível travado depois de irregularidades detetadas num eletrocardiograma. Recompôs-se, procurou soluções e reencontrou a felicidade entre o estádio do Inter e uma fábrica de impressão de papel.
“Conto direto” é a rubrica do Maisfutebol que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.
Zé Campos, 27 anos, Inter Milheirós.
«Acordo todos os dias às 5h30. Começo a trabalhar às 6h30 numa fábrica de impressão de papel na Maia e saio às 14h30. É duro, acordar cedo custa depois de ter treinado no dia anterior. Às vezes, sinto-me cansado e aproveito a tarde para descansar um pouco, outras vezes estou com os meus amigos até à hora de ir para o treino. Chego ao estádio por volta das 20h00 e por volta das 22h30 estou em casa para jantar.
Nasci em Portugal, mas fui para França com um ano. Foi como se tivesse nascido lá, no fundo. O meu pai jogou sempre futebol enquanto esteve em França e eu comecei a jogar aos seis anos no Auxerre. Completei a formação no clube, mas como sénior só joguei em Portugal.
Quando tinha 20 anos, o meu pai reformou-se e voltámos para Portugal. O meu primeiro clube foi o Folgosa. Não sabia como é que as coisas funcionavam cá e conhecia muito pouca gente. Acabei por ir para o clube pelo facto de o meu primo jogar lá.
Estive dois anos no Folgosa até sair para o Lavrense, clube pelo qual consegui uma subida de divisão. Acabei por voltar à Maia e assinei pelo Pedras Rubras, uma equipa que estava no Campeonato de Portugal.
A época não me correu bem. No ano seguinte, surgiu a oportunidade de ir para o Mirandês através de um empresário. Voltei a mudar-me, desta vez para Miranda do Douro, e agarrei a oportunidade.
Não me custou sair da Maia para Miranda do Douro. Dei-me bem lá, morava com vários colegas numa residência. O dia a dia era parecido com o de uma equipa profissional, com treinos duas vezes por dia. Além disso, o clube garantia pequeno-almoço, almoço e jantar.
Relancei a minha carreira no Mirandês. Acabei a época na equipa do ano da Série A do Campeonato de Portugal e fui eleito um dos jogadores revelação. Tinha 25 anos, estava bem e aceitei o convite da Sanjoanense.
Infelizmente só estive no clube duas semanas. Fiz 15 dias na pré-época até ter aparecido um problema no eletrocardiograma que fiz. Tinha um bloqueio atrioventricular de primeiro grau, uma bradicardia sinusal, entre outras anomalias.
Fiquei um ano sem jogar e vivi um período complicado. Quem joga futebol, tem o sonho de ser jogador e de ir o mais longe possível. Tinha acabado de fazer a minha melhor época e recebi uma notícia daquelas… foi tudo por água abaixo. Foi um choque, caiu-me tudo.
Nunca tinha sentido nada: nem dores no peito, nem falta de ar. Repeti os exames, fui a um especialista desportivo e ele disse-me que era normal isto surgir em quem joga futebol há muitos anos. Ainda assim, marcou-me exames complementares e só depois de os analisar é que me autorizou a voltar a jogar.
Não satisfeito, fui procurar uma segunda opinião. Recebi a mesma resposta: estava autorizado a voltar a jogar.
Durante este tempo decidi arranjar trabalho. Não podia estar sem jogar e sem trabalhar. Ajudou-me a limpar a cabeça, assim como me ajudou o apoio da minha família, sobretudo da minha irmã.
A Sanjoanense deu-me todo o apoio durante o processo. Disse-me, inclusive, que quando estivesse melhor poderia contar com eles. Convidaram-me para voltar, mas já tinha o meu emprego e decidi não arriscar. Já tinha 26 anos, estava a trabalhar há um ano e preferi jogar pelo seguro. Mais tarde seria difícil conseguir trabalho.
Após autorizações médicas, voltei ao futebol. Decidi ir para o Inter de Milheirós, já tinha lá alguns amigos. Inicialmente tinha receio de jogar até porque fui alertado pelos médicos que me poderia acontecer alguma coisa. Foi difícil. Quando sentia o coração mais acelerado, parava porque tinha medo. À medida que fui jogando, perdi esse medo.
Joguei apenas dois meses porque o campeonato parou devido à pandemia. Recebi um convite do Leça do Balio e aceitei. Estive lá um ano, mas decidi voltar ao Inter. É o clube onde estão os meus amigos, além de me dar bem com os treinadores e com a direção.
Não jogo para passar tempo. Nunca se sabe se um dia não estará alguém a ver… Mantenho a esperança, mas já não é como antes.»