Ministério Público pede condenação para todos os arguidos e perda de mandato para autarcas da Maia
No dia 28 de março decorreram no Palácio da Justiça, em Matosinhos, as alegações finais do chamado “processo dos SMEAS”, que tem como arguidos o presidente da Câmara Municipal da Maia, Silva Tiago; o presidente da Assembleia Municipal, Bragança Fernandes; os vereadores Hernâni Ribeiro, Ana Vieira de Carvalho e Nogueira dos Santos; e o administrador-delegado dos SMEAS, Albertino Silva. O Maiahoje foi o único órgão de comunicação social maiato presente.
Ainda antes das argumentações finais, foi ouvido um familiar da ex-vereadora Ana Miguel Vieira de Carvalho, que testemunhou a favor da mesma, justificando algumas transferências bancárias para a cunhada e para os irmãos, verbas que alegou serem provenientes de herança.
Acusação pede condenação, defesa a absolvição
No final da sessão, resultou que o Ministério Público (MP) apresentou os seus pedidos de condenação: perda de mandato para os autarcas e condenação para o administrador-delegado, enquanto as defesas requereram a absolvição dos arguidos.
Acusação indica 433 despesas indevidas
A acusação baseia-se no Crime de Peculato, por alegadamente terem sido apresentadas e aprovadas para reembolso 433 despesas aos serviços municipalizados, maioritariamente referentes a refeições e material informático, no valor aproximado de 53 mil euros – quantias que, segundo o MP, não eram devidas.
MP: «Prova bastante para que se peça condenação»
As alegações finais prolongaram-se por quase um dia inteiro, com o MP a destacar que as 433 faturas de refeições ocorreram «predominantemente ao fim-de-semana e em jantares em restaurantes de custos elevados». Os arguidos já dispunham de um plafond para despesas de representação, pelo que, na perspetiva da acusação, estas despesas seriam «pouco credíveis que tenham sido utilizadas ao serviço do bem público», considerando a prova efetuada ter sido «bastante» para que se peça a condenação.
Mais de 150 refeições a sextas, fins-de-semana e feriados
Quanto ao administrador-delegado dos SMEAS, Albertino Silva, o MP referiu ter identificado 215 faturas, 154 delas relativas a refeições às sextas-feiras, fins de semana e feriados, com datas, locais e valores discriminados – incluindo um jantar no Dia de São Valentim, com consumo de «três menus Valentim». Algumas das alegadas “reuniões” com refeição, não terão sido provadas, como foi o caso da presidente da Junta de Freguesia de Milheirós, Maria José Castro Neves, que diz «não ter estado presente»; Manuel Azenha, presidente do Castêlo da Maia que diz «não ter acontecido»; Olga Freire, presidente da Junta de Freguesia Cidade da Maia, que admitiu os «almoços terem-se realizados à semana»; Farinha Bastos, presidente da Junta de Freguesia de Moreira que refere «ter almoçado socialmente», ou seja, fora das reuniões de trabalho e de Carlos Ascensão que diz «não ter participado em qualquer almoço ou jantar».
«Almoços que foram à hora de jantar»
No caso de Hernâni Ribeiro, o MP apontou 184 despesas em refeições supostamente não comprovadas, 61 das quais em fins de semana e feriados, incluindo “almoços” que teriam ocorrido à hora de jantar (Maia, Espinho, Vila Flor, Évora, Lisboa e até no Parque Nascente). Foram ainda mencionados prémios de poker recebidos por Hernâni Ribeiro.
Algumas testemunhas não confirmaram presença em almoços
Bragança Fernandes viu a sua versão contestada por Tentúgal Valente, representante das Águas do Norte, que afirmou «não ter estado presente numa reunião alegadamente ocorrida a 10 de janeiro de 2016». Nogueira dos Santos, em sua defesa, referiu um «pagamento de refeições a trabalhadores» num suposto jantar em Alfena. Questionou-se ainda a presença simultânea de Hernâni Ribeiro e Nogueira dos Santos, em representação do SMEAS, na mesma refeição, mas em locais distintos.
Silva Tiago é “apenas” acusado de validar faturas
Ana Vieira de Carvalho terá apresentado 61 faturas para reembolso. Silva Tiago não apresentou despesas pessoais, mas, segundo o MP, validou cinco faturas de Albertino Silva, num valor superior a 900 euros, referentes a material de escritório.
«Não podem perder o mandato»
A defesa de Silva Tiago, Bragança Fernandes e Hernâni Ribeiro sustentou que, embora sejam autarcas, os atos em causa decorreram do seu exercício como membros do conselho de administração dos SMEAS, pelo que não se aplicaria o crime de peculato «se os arguidos não atuaram como autarcas, imputar-lhes um crime de peculato, põe em causa a questão de imputabilidade e, como tal, não podem perder o mandato».
O material de escritório e a famosa caneta “Montblanc” de 900 euros
Marinho Falcão, advogado de defesa, citou Isabel Patacão (Chefe da Divisão Económica e Financeira dos SMEAS), que descreveu como «prática recorrente» o reembolso de refeições, alegando que os arguidos agiram sem intenção dolosa. Quanto à caneta “Montblanc” (cerca de 900 euros), a defesa de Silva Tiago argumentou que este não sabia que modelo era, estando identificada apenas como «material de escritório», e que se tratou de uma «aquisição isolada».
«Para casar agendas é melhor ao almoço»
O advogado de Bragança Fernandes referiu que Tentúgal Valente participou em três almoços com o seu defendido, relacionados com questões das Águas do Norte. Marinho Falcão justificou que algumas reuniões ocorreram em refeições porque «para casar agendas é melhor ao almoço».
Sobre Hernâni Ribeiro, a defesa mencionou refeições com Nuno Gonçalves para discutir fundos comunitários, bem como levantamentos de dinheiro para jogar poker – incluindo um montante de 98 mil euros em jogo e “Cash Games” superiores a 3.400 euros –, sustentando que seria «de absoluta injustiça condenar pelo crime de peculato».
«Ana Miguel sempre falou e explicou de forma tranquila e transparente»
O defensor de Ana Miguel Vieira de Carvalho afirmou que os seus rendimentos estão «plenamente justificados», não se enquadrando no crime de peculato, e que a ex-vereadora sempre esclareceu os factos «de forma tranquila e transparente».
Aproveitou visita a ETAR para almoçar
Nogueira dos Santos foi descrito pelo seu advogado como vereador a meio tempo durante oito anos, sem despesas de representação entre 2013 e 2018, tendo sido reembolsado apenas 170 euros – incluindo um almoço durante uma visita à ETAR de Angeiras.
Albertino Silva emocionou-se ao dirigir-se ao Tribunal
Já o advogado de Albertino Silva referiu que o seu constituinte autorizou 285 euros a Bragança Fernandes, 1.200 euros a Hernâni Ribeiro e mais 2.500 euros, sem ultrapassar os 5.000 euros, e destacou que Albertino Silva «é pessoa de bem, fundador de instituições».
No final, Albertino Silva, visivelmente emocionado, disse «estive 45 anos nos SMEAS e não esperava que terminasse assim. Fiz amizades e inimizades, ouvi verdades e mentiras neste tribunal», referindo ainda que «Luís Cândido, antigo presidente da Junta de Folgosa, negou ter almoçado comigo, mas depois, à saída do tribunal, acusou-me de o ter tratado mal». O ex-diretor dos SMEAS justificou ainda alguns valores em sua posse, mencionando a venda de «relógios por 88.000 euros e recebi 17.000€ de juros da minha mãe».
MP pede condenação e perda de mandato
Em síntese, todas as defesas pediram a absolvição, argumentando que a acusação assenta num «comum acordo entre os arguidos» que não existiu, já que estes não exerceram funções nos SMEAS em simultâneo, e que os factos não configuram o Crime de Peculato. O MP mantém o pedido de condenação, sublinhando que os arguidos «assinavam as ordens de pagamento» sem aferir a legitimidade das despesas.
O veredito será conhecido a 30 de maio, com a leitura do acórdão.