“O Grito” aqui para Milheirós é o novo Centro de Saúde
Maria José Castro Neves é a atual presidente da Junta de Freguesia de Milheirós e conta agora com 59 anos. Vive na freguesia desde que nasceu e, depois do seu percurso escolar concluiu Bacharelato na área de Engenharia Eletrotécnica, que exerceu durante 22 anos. Desde sempre que está ligada à paróquia de Milheirós na área da catequese, grupo de jovens e grupo coral, «ao qual hoje em dia me mantenho ligada», refere.
Estando atualmente no segundo mandato, Maria José Castro Neves refere que «não é de todo uma novidade eu estar aqui na freguesia, pois já fiz parte de duas Assembleias de Freguesia, em dois mandatos diferentes, em tempos diferentes, há cerca de 20 anos atrás, depois ausentei-me por motivos profissionais e pessoais. Há quatro anos atrás surgiu a oportunidade de regressar ao meio autárquico».
Numa freguesia que admite ter mudado ao longo dos tempos, a presidente fala, assim, ao MaiaHoje sobre o Passado, o Presente e o Futuro de Milheirós.
MaiaHoje (MH): Tendo 59 anos e tendo vivido sempre em Milheirós, lembra-se da freguesia há 30 ou 40 anos atrás?
Maria José Castro Neves (MCN): Evidente que sim, muitas coisas mudaram. Por exemplo, vivia a cerca de um quilómetro da escola e, claro, nós fazíamos esse trajeto a pé. A freguesia era muito rural, com muitos campos, não havia passeios, as ruas eram muito estreitas e, entretanto, as coisas foram-se desenvolvendo. Milheirós continua a ser uma freguesia rural, junto ao centro da Maia, mas onde existe qualidade para se viver e é até, por ser uma zona muito pacata, muito procurada por pessoas de fora para construírem a sua vida cá, junto ao rio Leça, que é a nossa fonte de riqueza, e por estar muito próxima também aos acessos de autoestradas.
MH: Portanto, se aqui há uns anos atrás se observava a saída de pessoas para o centro da cidade, está agora a observar-se o inverso, é isso?
MCN: Depende das faixas etárias de que estamos a falar. Se estivermos a falar de jovens, Milheirós continua a não ter oferta para os jovens. Porquê? Porque a freguesia tem uma construção a nível de moradias e os jovens não têm capacidade de adquirir moradias e têm que ir atrás de apartamentos, o que os obriga a fugir da freguesia. Se, por outro lado, estivermos a falar daquele casal que já tem a vida estabilizada, que já tem um filho ou dois, que já tem empregos sustentáveis, esses sim, procuram Milheirós.
Temos, por exemplo, um equipamento muito importante na freguesia que é o Colégio Novo da Maia, que tem muitos alunos e que se encontra, neste momento, muito bem cotado. Tenho conhecimento de famílias que têm os filhos no colégio, que procuram terrenos aqui na zona para construir, porque passam aqui muito tempo e veem que é um lugar pacato e que é próxima daquilo que eles precisam.
MH: Disse-nos também que esteve ligada à Junta com intervalos de 15/20 anos, no entanto, e estando agora no segundo mandato, como é que surgiu o convite para assumir a presidência?
MCN: Antes de eu entrar esteve aqui um Executivo durante dois mandatos e eu pude verificar que nesses oito anos, e talvez não só nesse período, não houve qualquer desenvolvimento em Milheirós. A freguesia tinha parado completamente no tempo.
Como disse, trabalhei 22 anos numa empresa e, no ano da crise, por volta do ano 2000, na área da construção civil, muitas empresas fecharam, inclusive a empresa onde eu trabalhava, e fiquei cerca de nove anos sem trabalhar. Portanto fiquei com total disponibilidade e, mais uma vez, verifiquei que a freguesia tinha estagnado. Entretanto surgiu um convite muito persistente por parte de uma coligação, dando-me todo o apoio para me candidatar de forma independente, não sou militante de nenhum partido, e como tinha tempo decidi avançar.
Há aqui uma coisa muito importante, eu acho que para se ser presidente de Junta não pode ser em “part-time”, passando a expressão. Ou se é presidente de Junta a tempo inteiro, com disponibilidade total, ou então não pode, digamos, se é em part-time tem que limitar bastante os horários e sujeitar a comunidade a esses mesmos horários, para que o presidente de Junta esteja disponível. Eu, realmente, como tinha disponibilidade total acabei por aceitar esse desafio em 2017. Candidatei-me, ganhei e devo dizer-lhe que as coisas modificaram. As Juntas, como se sabe, não têm capacidade, por exemplo, para fazer grandes obras e, por isso, é necessário chegar junto a uma entidade que é a Câmara Municipal, solicitar, pedir ajudas, para que essas obras sejam realizadas. Foi isso que eu fiz desde que cheguei há cinco anos atrás. Fui e ainda vou variadíssimas vezes à Câmara, mesmo não tendo concorrido pelo partido da Câmara. E, realmente, há resultados, desde ruas com passeios pedonais, estacionamentos, drenagem de águas pluviais, entre outros.
Não posso deixar de referir que, quando cheguei à presidência nesse ano, verifiquei que existia uma ação judicial em tribunal colocada pela empresa que construiu a Junta de freguesia atual, por falta de pagamento. Tentei inteirar-me da situação, percebi que era uma dívida que já estava com juros e que já rondava os 400 mil euros. Era uma situação que teria de ser resolvida, a empresa tinha executado a obra e, logicamente, tinha o direito de receber aquilo que merecia, portanto teríamos de resolver o assunto com o pagamento da dívida. Efetivamente a Junta não tinha meios próprios para liquidar esse valor e, junto com a Câmara Municipal, tentamos arranjar uma solução, tentamos conversar com a empresa, que aceitou não cobrar os juros e foi pago um valor de 286 mil euros, verba essa que a Junta continuava a não ter. Foi necessária a ajuda da Câmara da Maia e tivemos que alienar um património que era da Junta. A dívida teria de ser paga, não tínhamos alternativa e, portanto, foi paga no mandato de 2017 a 2021. Os milheiroenses podem dizer que a Junta não tem qualquer problema, nem qualquer dívida.
MH: Pegando nas alterações que ocorreram na freguesia, a nível de obras e infraestruturas, que projetos é que a freguesia tem atualmente?
MCN: No presente preocupa-me um pouco uma obra que começou no final do mandato passado e que, infelizmente, não teve um final feliz, que é a construção do Parque Fluvial de Alvura. Como disse, Milheirós é banhado pelo rio Leça, o que é uma riqueza, apesar de às vezes, e infelizmente, a água estar poluída. Para contextualizar, junto à ponte de Alvura começou a desenvolver-se esta obra emblemática, obra esta levada a cabo e lançada pela Câmara Municipal, mas não correu bem porque a empresa que ganhou o concurso protelou, fazia e ia fazendo, não fazia e não ia fazendo, até que acabou por abandonar a obra. Neste momento esta situação encontra-se pendente, embora muito desejada por todos nós e por pessoas de fora. Construções destas processam-se, naturalmente, através de contratação pública, o que significa que para que a obra seja concluída terá de haver novo concurso e começar-se tudo de novo. Temos aqui mais um imbróglio para resolver e que a Câmara está a resolver. Não quero que pensem que esta foi mais uma obra estratégica para ganhar eleições, não. Neste caso foi a empresa que falhou, não foi nem a Junta nem a Câmara.
MH: Preocupam-na essas burocracias?
MCN: Preocupam e estou ansiosa de ver as coisas resolvidas para que, realmente, as pessoas percebam que não houve aqui nenhuma intenção de enganar. O que menos quero é que as pessoas se sintam defraudadas.
Ainda referente aos projetos, temos ainda obras em curso a nível de acessibilidades, são muito importantes porque Milheirós não tinha acessibilidades, não havia passeios na freguesia que permitissem às pessoas caminhar em segurança. Hoje em dia as pessoas gostam muito de caminhar, quer durante o dia, quer ao fim da tarde e até mesmo à noite e, neste momento, já o fazem em passeios.
Neste momento temos ainda a desenvolver uma obra na Rua General Humberto Delgado, com a construção de passeios e redes de águas pluviais, que se estendem a outras ruas. Estas obras, naturalmente, estão a ser avançadas e concluídas pela Câmara e fazem parte de um pacote chamado “Empreitada Acordo-Quadro”, que foi lançada por sete milhões e 500 mil euros. Milheirós, a pedido da Junta de Freguesia, fez chegar as suas necessidades… é aqui que entram as Juntas, fazer chegar à Câmara Municipal as necessidades de cada freguesia. E depois eu gosto de acompanhar as obras e perceber… mesmo quando recebo aqui (na Junta) algum cidadão milhoense a fazer algum pedido, gosto de ir ao local e perceber quais as necessidades reais, o que se torna muito mais fácil para depois transmitir a quem de direito.
MH: A minha pergunta agora é mesmo essa, sendo presidente e, com o cargo que ocupa, como é que percebe as necessidades da freguesia? Ou seja, não está sempre aqui no “escritório”…
MCN: Não, de todo. Aqueles 22 anos em que trabalhei numa empresa, o meu trabalho era feito nas obras, na rua com as equipas a fazer a montagem de cabos elétricos e a verificar tudo o que fosse a nível elétrico e em postes de baixa, média e alta tensão. Portanto eu sou uma pessoa de terreno, do povo, que gosta de se sentir no meio de outras pessoas e, assim sendo, tenho de ter a parte de secretária, evidente que sim, mas que se for necessário eu estou, efetivamente, no terreno, seja a que horas for, mesmo ao fim de semana. Daí a importância, a meu ver, da disponibilidade total para este cargo. E eu tinha-a, obviamente com o apoio incondicional da família.
MH: Era-lhe importante que tivesse esse apoio?
MCN: Era, claro. E foi a minha família que acabou por me incentivar a ter uma parte ativa aqui na comunidade de Milheirós.
MH: Esse sentimento de querer ter uma parte ativa na comunidade é o que a move neste meio político?
MCN: Sim, à partida um autarca é um político, mesmo que se candidate de forma independente. Pode é ser ou mais, ou menos político. Mas o que é mais necessário é a interligação com as pessoas, é, por exemplo, o simples gesto de sair da Junta e ir dar uma volta a pé pela freguesia para ver determinadas situações e conversar com as pessoas que vão aparecendo no caminho.
Efetivamente sou uma pessoa que sai e que gosta de falar com as pessoas e tanto assume as coisas quando correm bem, como quando correm mal.
MH: Neste caso, e pegando na sua expressão, ser-se autarca é ser-se político, podendo ser- ou mais ou menos político, como é que a senhora presidente se caracteriza, ou mais ou menos?
MCN: Esta é uma pergunta difícil. Eu em 2017 candidatei-me de forma independente, em 2021 foi de igual forma, com uma candidatura independente e, portanto, é nessa vertente que me quero ver, como independente, embora tenha a minha simpatia partidária, mas acho que não é importante revelar porque nunca serei uma política, digamos, do mundo político. É mais o facto de fazer algo pela comunidade, o atender as pessoas, o ouvir as pessoas, que às vezes nos trazem assuntos que até são pessoais. Vejo, por exemplo, pessoas que durante a semana vêm duas a três vezes à Junta e, se calhar, não têm essa necessidade. Mas vêm porquê? Porque querem conversar e, no caminho até encontram uma amiga ou um amigo e, portanto, sentem a necessidade de combater o isolamento e de vir até à Junta. É isso que me move, sim.
MH: Falou agora da população mais idosa, o que é que a Junta pode fazer pelos idosos?
MCN: A Junta tem um papel muito importante neste campo da população envelhecida. Antes de mais, e para que se perceba, as pessoas chegam aqui à Junta com uma carta que receberam e pedem ajuda para que nós a possamos interpretar, temos ainda pessoas que nos pedem ajuda para efetuar pagamentos por multibanco, porque não sabem lidar com as caixas multibanco e socorrem-se da Junta e confiam.
Temos, igualmente, um transporte a pedido. A Junta de Freguesia adquiriu uma carrinha, em 2019 ou 2020, de nove lugares para fazer o transporte da população, por exemplo aos Centros de Saúde. Neste tempo de pandemia demos todo o apoio para a vacinação. Inicialmente, naqueles primeiros meses em que não se saía de casa, a Junta levava as reformas a casa, fazíamos as compras na farmácia. Naquilo que as pessoas precisavam, nós tínhamos um programa que se chamava “A Junta Ajuda”, era o slogan do programa e, portanto nós estávamos aqui disponíveis para ajudar, inclusive colaborámos com a Maiambiente na desinfeção das ruas.
Temos um dia dedicado ao sénior aqui na freguesia, em que fazemos um passeio. O ano passado, e em jeito de uma promessa eleitoral, levamos cerca de 250 seniores a um passeio de barco no Douro até à Régua. Este ano vamos ter, agora no próximo dia 22 de setembro, o passeio sénior, que será em Viana do Castelo. Pelo Natal também fazemos o Circo, que é dedicado às crianças, mas que é aberto a qualquer faixa etária.
Os seniores, sempre que precisem, têm aqui a Junta para ajudar. Temos apoio na ação social com o GAIL (Gabinetes de Atendimento Integrado Local), do Centro de Emprego com o GIP (Gabinetes de Inserção Profissional).
MH: Há muita procura no que à ação social diz respeito?
MCN: Sim. Milheirós não estava a ser muito bem assistida nessa área. Umas vezes vinham cá semanalmente, depois já vinham de 15 em 15 dias, não havia uma periodicidade definida e, neste momento estamos muito bem. Temos duas tardes por semana, à quarta e quinta-feira, uma técnica da Segurança Social e estas duas tardes são suficientes para atender as necessidades da freguesia e é muito útil à população.
Temos um outro protocolo da Junta de Freguesia que vai avançar, em outubro, em parceria com a Universidade Fernando Pessoa para tratamento da dentição. As pessoas que não puderem ir ao dentista e dispensar da verba necessária para uma consulta poderão ter um diagnóstico, um tratamento, de modo gratuito. Para isso basta virem aqui à Junta, nós emitimos uma declaração e, com essa mesma declaração, a pessoa dirige-se à Universidade Fernando Pessoa e tem consultas e tratamentos gratuitos. Este é um projeto transversal a toda a comunidade milheiroense.
Ainda a respeito de atividades que realizamos, não só para seniores, mas também para a população milheiroense em geral, é o Arraial de São João em que as pessoas fazem a noitada, comem as suas sardinhas, o seu caldo verde, sentadas e confortáveis a disfrutar de bons momentos de convívio, no Parque de Calvilhe.
Na área da juventude, crianças e jovens, nós fazemos, no verão, as Colónias de Férias durante 15 dias. Aqui em Milheirós posso dizer que é algo bastante cobiçado, e temos muitas crianças que não são da freguesia, pelo programa que é realizado. Este ano foram 97 crianças para cerca de 20 monitores e dois autocarros, tudo isto é uma atividade proporcionada pela Junta, apenas. O que muitas pessoas não sabem é que eu também me junto a estas atividades com as crianças como monitora, e é tão bom.
MH: E aqui também a Junta a dar igual importância aos jovens…
MCN: Exatamente, nos tentamos cobrir todas as faixas etárias da nossa população.
MH: E para o futuro, quais são os projetos que a freguesia tem?
MCN: Na Maia há uma escultura que tem o nome “O Grito”, esculpida pelo nosso conterrâneo Ilídio Fontes. E realmente o “Grito” aqui para Milheirós é o novo Centro de Saúde.
Os utentes do Centro de Saúde de Milheirós não têm condições, não têm. O Centro está atualmente a fechar às 16 horas, o que é impensável. Uma pessoa que precise de um injetável, ou que ande a fazer algum curativo e que esteja a trabalhar não consegue fazê-lo e depois é remetido para Ermesinde, não se entende.
Portanto, efetivamente o nosso “Grito”, remetendo à escultura, é o Centro de Saúde. Vai ser construído, já existe o local, já foi feita a assinatura do contrato-programa para o Centro de Saúde de Milheirós e de Moreira, já existe projeto e esta, neste momento na fase de apresentação de especialidades para depois ser lançado o concurso. Esta não será uma obra a concluir num ano, mas será uma obra que vai avançar. Esta é uma bandeira de Milheirós e é também bandeira da Câmara Municipal da Maia.
Ainda para o futuro, temos aqui uma necessidade na área da habitação. A Câmara quer construir habitação social e ainda habitações com rendas acessíveis para jovens, e isso é muito importante para a freguesia para fixar os jovens casais de Milheirós, sei que está num bom caminho, sei que há praticamente dois terrenos destinados para esse fim. São obras que têm de acontecer nos próximos dois a quatro anos.
Quanto ao desporto, temos aqui também uma promessa relativamente ao campo do Milheirós, porque penso que é o único parque desportivo aqui do concelho que não tem bancada e não faz sentido as pessoas verem o jogo de pé, não conseguindo ver a partida como deve de ser. Esta situação está a ser estudada pelos técnicos da Câmara, o presidente já autorizou que fossem feitos os estudos e as propostas.
Há ainda a promessa do pavilhão gimnodesportivo de Milheirós, que estamos a aguardar. E temos o Corredor Verde do Leça. A freguesia é ainda atravessada pelos Caminhos de Santiago, o que nos torna muito ricos também a nível cultural. Há, por isso, a necessidade de criar um albergue a peregrinos.
Um outro aspeto que eu gostaria de ver melhorado para o futuro prende-se com os transportes. A freguesia já é bem servida por uma rede de transportes, mas há aqui um ou dois pontos de Milheirós um bocadinho mais distantes e que as pessoas têm dificuldades em se deslocar e que, logicamente, tem de se colmatar este isolamento. Sabemos que a Câmara tem o transporte a pedido, que está a ser lançado neste momento, e nós queremos que Milheirós seja contemplado com esse mesmo transporte.
MH: Antes mesmo de terminar, está atualmente no segundo mandato, já pensa num terceiro mandato ou ainda é muito cedo para pensar no assunto?
MCN: De facto, é ainda prematuro falar num terceiro mandato. É algo que tem de ser muito bem pensado. Eu saí do primeiro mandato com a consciência de que dei o meu melhor e que Milheirós tinha sido desenvolvido, e posto isto, candidatei-me a um segundo mandato. Neste momento ainda não posso dar uma resposta em relação a um possível terceiro. Vamos aguardar.
MH: Para terminar, Milheirós para a senhora presidente é…
MCN: Milheirós é qualidade e é vida.