O medo de ser esquerdista
Nos tempos correntes, a esquerda enfrenta um dilema profundo: a perda gradual do seu carater revolucionário e a hesitação em assumir a sua ideologia sem medos. Se antes a esquerda era conhecida por desafiar de forma audaz as estruturas de poder estabelecidas, hoje esconde-se na sua própria sombra ideológica.
Historicamente, a esquerda tem vindo a ser uma voz para os oprimidos pelo capitalismo através da sua luta por uma sociedade igualitária e justa – tomemos como exemplo o trabalho da esquerda na luta contra a ditadura Salazarista em Portugal. No entanto, o panorama político da esquerda portuguesa tem vindo sofrer algumas alterações.
Durante oito anos de governo de Partido Socialista (PS), o PCP e o BE, não só apoiaram o PS como fizeram parte da geringonça. Esta colaboração nem sempre foi frutífera. Mesmo compartilhando ideias, houve políticas implementadas pelo governo PS, que foram consideradas insuficientes pelo BE e pelo PCP que viram as suas propostas ser ignoradas diversas vezes, o que levou a uma frustração e minou a independência ideológica dos dois partidos.
Num cenário crescente de descontentamento popular, onde o povo tem de escolher entre “pagar renda ou viver”, e a ascensão da extrema-direita que deturpa toda a luta que a esquerda fez pela liberdade do povo português, os partidos esquerdistas temem ser rotulados como radicais ou extremistas, por medo de perder eleitores. Este medo profundamente egoísta e esta ganância desmedida por um lugar ainda mais alto na esfera de poder, resultam numa relutância por parte do PCP e do BE em defender as ideias de esquerda.
É inconcebível que a esquerda, antes orgulhosa das suas convicções, tema agora defender ideias em prol do povo e contra a exploração capitalista, por medo de ser encarada como radical. É urgente para a esquerda que recupere a sua voz e a sua confiança, que se livre desta gula livresca por poder, para que possa recuperar os seus princípios e defender os direitos do povo. Sucumbir ao sistema burguês e aos ideais preconizados pela esfera pública por medo de ser rotulada, é um erro que enfraquece cada vez mais os partidos de esquerda em Portugal e minam a sua identidade e independência ideológica. Se aqueles que viveram na clandestinidade para lutar contra o fascismo não tinham medo, um esquerdista que hoje luta pela sobrevivência da democracia também não pode ter medo de se assumir como tal.
Artigo de Opinião de Maria João Lima,
estudante de sociologia