O «Suspeito» e a teoria do Gato de Schrödinger
Um «Suspeito» é uma espécie de teoria do Gato de Schrödinger, onde não se está acusado nem arguido. Não se está condenado, nem absolvido. Está apenas «Suspeito». Um meio-meio.
A condição de «Suspeito» é uma arma invulnerável. Uma arma que nenhuma justiça ou sofisticada oratória consegue combater. Depois de lançada, é dona de um poder devastador, artilharia capaz de cilindrar o melhor dos beneméritos, arrasar instituições e fazer tremer pilares democráticos essenciais – que todos nós achávamos garantidos.
Uma arma sem controlo nem travão que habita à mão de qualquer um de nós. O Tiago o José e o Pedro podem denunciar o Miguel o António o Gustavo ou qualquer outro que sequer sabem se existe. Chamar-lhe-emos, incertos. Dar nota da prática de um crime, sem formalidade alguma, e até na condição de anónimo, obriga o Ministério Público a abrir a respetiva fase de inquérito, e iniciar a sua investigação. É que nem a lei nos salva. Venha de lá a lei, que diz sob epígrafe de «Prazos máximos de inquérito» que o Ministério Público deverá deduzir acusação ou arquivamento nos prazos máximos de seis meses – se houver arguidos presos, ou de oito meses, se os não houver. É um começo! Olhando para este normativo, qualquer um de nós fica com a sensação de que a arma letal se esgotará no tempo. Será?
Afinal, se o Ministério Público não der cumprimento a esses prazos, deverá porventura, ocorrer uma nulidade? Talvez até, uma impossibilidade material de se acusar? A resposta é negativa. Não. Nada acontece. Zero. O inquérito poderá decorrer durante quatro, seis ou dez anos.
Se esta é uma realidade absolutamente perversa para qualquer arguido – condição sob a qual a lei reconhece uma miríade de direitos – o mesmo não acontece com a condição de «Suspeito» que vive órfão de proteção, entregue à fama que lhe deram. Lá viverá o malfadado «Suspeito», os quatro, seis ou dez anos sem salvação. Não há boia ou julgamento que o ampare.
Não se acusa, não se arquiva. Ninguém se pode defender do que não sabe que o acusam. Um homem contra o vento, é uma batalha perdida.
No fim do inquérito – e se por acaso até for antes do fim da vida – lá haverá, algumas vezes, um arquivamento e uma palmadinha nas costas como quem diz, «até uma próxima, foi um gosto fazer pouco de si».
O que assistimos, é à transformação do processo penal como o fim em si mesmo.A sanção não é a pena, mas antes todo o processo que se arrastou. Que foiminando a perceção pública do «Suspeito». O processo foi uma novela, e o «Suspeito» um ator à força.
O processo produz, em grande parte dos casos, uma pena muito mais nociva e permanente que aquela, a final, ditada para ata ou escrita por um qualquer juiz num acórdão.
Chamemos-lhe muitos nomes, mas Justiça não poderá ser. Porque na falta de factos, nunca existirá verdadeira Justiça para os prognósticos.
Ivo Filipe de Almeida
Advogado;
Deputado na Assembleia Municipal de Almada