“Passaporte” COVID-19 «pode originar inaceitáveis situações de discriminação injusta»
Médico e docente da FMUP, Rui Nunes, defende a massificação de testes para permitir o desconfinamento.
O presidente da Associação Portuguesa de Bioética (APB), Rui Nunes, teme que a criação de um certificado de vacinação para a Covid-19, que permita e facilite as viagens no pós-confinamento, levante questões sérias ao nível ético e legal. «Decidir se um cidadão pode ou não viajar em função de estar vacinado coloca-me sérias reservas quanto à legalidade de uma medida tão discriminatória, quando estamos a falar de uma condicionante que não depende da vontade de cada cidadão», afiança o também professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
Fazer depender a autorização de viagem de os cidadãos estarem vacinados contra a COVID-19, assevera Rui Nunes, «levanta sérias questões éticas e legais que devem ser consideradas pelas autoridades antes da sua implementação. A decisão de um cidadão se vacinar não depende da vontade de cada um, mas sim dos planos delineados por cada Governo e que, como é sabido, variam de país para país», frisa o especialista em bioética. Este “ranking social” implementado noutros países a Oriente, sustenta, é, por razões óbvias, contrário à tradição europeia de defesa dos direitos humanos.
Rui Nunes defende em alternativa um reforço da prevenção da transmissão através da literacia em saúde e de medidas de higiene social. E de um aumento da testagem, seja através dos testes PCR, seja através dos testes serológicos. Sem deixar de ter em conta todas as limitações inerentes aos mesmos.
O presidente da APB compreende a necessidade de retomar o desenvolvimento económico, por exemplo restabelecendo o tráfego aéreo, por motivos de turismo ou por razões profissionais e empresariais. E que essa reabertura justifica medidas inovadoras que num contexto pré-pandémico seriam impensáveis. Contudo, sublinha, «devem existir alternativas eficazes a este Passaporte COVID, como por exemplo a testagem rápida e efetiva a todos aqueles que, querendo viajar, não tiveram oportunidade de ser vacinados».
Rui Nunes teme que a criação de um certificado dentro destas condições facilmente leve à tentação de passar a exigir a apresentação do mesmo não só para viajar, como também para aceder a espaços públicos como são os centros comerciais ou as grandes superfícies. Como, aliás, acontece já em algumas partes do mundo. «É inaceitável que as pessoas não vacinadas sejam impedidas de participar nas atividades económicas, sociais ou mesmo culturais e permitir que tal possa ser aplicado no território europeu representa um sério revés aos pilares da União Europeia, à livre circulação e à igualdade de oportunidades para todos os nossos concidadãos», acrescenta.
A implementação generalizada do Passaporte COVID-19, conclui Rui Nunes, «pode originar inaceitáveis situações de discriminação injusta e de restrição artificial de direitos básicos de cidadania, incluindo violações de privacidade, e o acesso não autorizado a dados pessoais». E se esta pandemia veio confirmar que existem bens públicos globais e que a comunidade internacional deve mobilizar-se para assegurar um desenvolvimento comum e sustentável, “então deve fazê-lo em conformidade com as conquistas civilizacionais que são a marca genética das sociedades livres”.