Porque morrem os atletas? (Parte 1)
A resposta a esta primeira pergunta pouco tem de surpreendente. Morrem porque são portadores de doença cardíaca e também porque o exercício físico e o stress da competição (e dos treinos) podem ser os fatores capazes de desencadear a paragem cardíaca súbita (PCS). Isto é, o stress da competição e o exercício físico intenso e prolongado podem fazer, por exemplo, com que uma placa de aterosclerose de uma coronária com uma obstrução não crítica rompa e se origine, nesse momento, uma oclusão por trombo que se formou nesse mesmo local. Ou então uma PCS por arritmia letal, a fibrilação ventricular, uma espécie de cãibra do músculo cardíaco em atleta jovem portador de uma doença cardíaca de origem genética (miocardiopatia hipertrófica, sindroma do QT Longo…)
A morte súbita de atletas (MS) durante a prática desportiva é um acidente muito raro, 1 caso por 60 mil a 100 mil por ano, mas muito importante pelo seu enorme impacto e porque pode evitar-se na quase totalidade das situações.
Em Portugal estima-se que ocorra, em média, 1 caso por mês no desporto federado.
E se são doentes por que razão não foi diagnosticada a doença previamente?
A ideia que a doença cardíaca provoca sempre sintomas e é incompatível com a prática de esforços físicos violentos está presente na maioria das pessoas (“sinto-me bem logo estou bem de saúde”). Sabemos no entanto que nem sempre é assim. Os atletas são até um dos melhores exemplos desta exceção: quase nunca o atleta, antes de ser acometido por uma PCS, teve sintomas de alerta. Por este motivo o exame médico pré-competição deve ser obrigatório, realizando-se, em geral, todos os anos.
Embora em muitos casos a doença cardíaca seja identificada no exame médico-desportivo, sabemos hoje que todas as estratégias de rastreio podem ser falíveis: por muitos exames que venham a ser realizados, a doença cardíaca pode passar desapercebida ou, então, confundir-se com as alterações estruturais, benignas, típicas de adaptação do músculo cardíaco ao exercício, o chamado coração de atleta.
Se compararmos, por exemplo, 2 metodologias usadas no rastreio de atletas e desportistas, ametodologia norte-americana (consulta médica, sem eletrocardiograma) e a metodologia inglesa (inquérito clínico, consulta médica, ECG e Ecocardiograma) observamos que o número de falsos negativos (portadores de doença cardíaca que o rastreio deixou escapar) foi muitíssimo elevado na metodologia norte-americana, isto é, a quase totalidade dos portadores de anomalias cardiovasculares de alto risco não foi identificada. Na metodologia inglesa, embora a maioria dessas anomalias tenham sido identificadas, algumas delas também escaparam, é o caso da anomalia congénita das coronárias e algumas cardiomiopatias.
Confirma-se pois a falibilidade das estratégias independentemente da metodologia usada, quer por problemas relacionados com a insuficiente sensibilidade e especificidade dos exames complementares usados, quer pelos elevados custos e dificuldade de gestão dos achados clínicos menos relevantes, ou seja, as pequenas alterações cardiovasculares de baixo risco que se confundem facilmente com as variantes do “coração de atleta”
No meu próximo artigo (parte 2), abordaremos as soluções possíveis para estes problemas e as respostas às perguntas: Como explicar as autópsias negativas e o que fazer para evitar estes trágicos acidentes.
Ler mais em: https://revdesportiva.pt/wp-content/uploads/2021/05/Opina_Ex_medico_5_21.pdf
Prof. Ovídio Costa. Cardiologista.
Professor da Faculdade de Medicina da U.P.