Portugal andou muito mal no assunto do Procurador Europeu – Lamento dizer
Mas, afinal, onde começam os erros, supostos lapsos, as incongruências, as falsidades e a violação legal?
Segundo o Regulamento da Procuradoria Europeia (Regulamento 2017/1939 do Conselho, de 12 de outubro de 2017), a seleção do Procurador Europeu inicia-se pela designação de três candidatos por cada Estado-Membro.
Para esta indicação, Portugal criou o respetivo processo de candidatura e método de seleção nacional através do Aviso n.º 5/2019, de 2 de janeiro (Gabinete da Ministra da Justiça), onde, para além dos critérios de elegibilidade previstos no artigo 16.º, n.º 1 do Regulamento, fixa critérios nacionais de seleção, os quais vieram posteriormente a ser contemplados na Lei n.º 112/2019, de 10 de setembro (Lei que adapta a ordem jurídica interna ao referido Regulamento e que é posterior ao aludido Aviso).
Uma vez publicado o Aviso 5/2019 com o respetivo método de seleção, é este que tem de ser respeitado e cumprido, desde logo pelo Governo. Por isso, ouvir a Ministra da Justiça dizer que o Governo pode indicar quem quiser, é do mais lamentável que se pode ouvir. Não pode designar quem quiser, não! A designação de três candidatos obedece a um processo legal de seleção que não pode ser violado pelo próprio Governo.
Depois, a designação dos três candidatos é uma designação pelo Governo, não uma graduação pelo Governo, como o mesmo fez quando enviou a indicação para o Conselho da União Europeia a fim dos eleitos serem avaliados pelo Comité de Seleção.
Mas, entre a abertura do processo de candidatura e o seu término, a acreditar nas notícias que recentemente vieram a público, nenhum dos três selecionados terá apresentado a sua candidatura até à data limite para o efeito, ou seja, 15 de janeiro de 2019. E este parece-me ser um elemento crucial em todo este processo. A ser verdade, repito, pergunto como foi possível o Governo indicar três candidatos que apresentaram a sua candidatura fora de prazo? Salvo melhor opinião, tais candidaturas não podiam ter sido sequer admitidas, por serem extemporâneas.
A par desta e de outras eventuais violações procedimentais que não conheço para além do que a comunicação social vai trazendo para a praça pública, temos como certo que após a indicação do Comité de Seleção ter incidido sobre uma das candidatas selecionadas pelo Governo Português, a Procuradora Ana Carla Almeida, o Governo, através do Ministério da Justiça, enviou uma carta para aquele órgão europeu, sindicando a escolha deste órgão.
Ocorre-me desde logo perguntar porque é que o fez.
Se o Júri Internacional elegeu um dos candidatos selecionados pelo Governo Português foi porque entendeu, face aos critérios de seleção, que a Procuradora Ana Carla Almeida era a candidata melhor posicionada para exercer as funções de Procuradora Europeia.
Aliás, a escolha do Comité de Seleção deu um sinal claro ao Governo Português de que a graduação que este fez dos candidatos não só era indevida e despropositada, como totalmente inócua. Mas, ainda assim, apesar deste sinal, o Governo, na atitude prepotente que o vai caracterizando, entendeu, sabe-se lá porquê, contestar a decisão do Conselho e insistir pela eleição do Procurador José Guerra. E fê-lo da pior forma possível, de uma forma que a todos envergonha.
Ora, se já é mau que o Governo, ao que parece sem qualquer motivo lógico e atendível, conteste a eleição do Comité de Seleção, pior é quando para tal contestação recorre a uma fundamentação falsa. É que, perdoem-me a expressão: nem havia necessidade. Querendo colocar em crise, o que só por isso merece censura, aquela decisão europeia, bastaria, talvez, salientar alguns aspetos do cv do Procurador José Guerra, porventura valorizando algum elemento que pudesse ter sido desvalorizado pelo referido Comité.
Mas não foi isto que aconteceu! Na verdade, a fundamentação que consta da carta enviada pelo Ministério da Justiça, tem requintes que colocam em crise a seriedade dos seus autores, do Ministério da Justiça e, em última instância, do Governo. É que, como todos já sabemos, a fundamentação da contestação do nome de Ana Carla Almeida e da evidente preferência do Governo por José Guerra assentou em informações que são falsas e que têm o mesmo traço comum: o de valorizar o cv de José Guerra. São informações falsas, sendo muito difícil, senão impossível, acreditar que se trata de meros lapsos, pelos quais um pedido de desculpas possa ser suficiente para nos fazer olvidar este processo.
Um processo que em vez de ter elevado o nome de Portugal e honrar os Portugueses no início da Presidência Europeia, nos fez corar de vergonha!
Na carta, o Governo mentiu quanto à qualidade de José Guerra que é Procurador, mas não Procurador Geral Adjunto.
Na carta, o Governo mentiu quando disse que José Guerra dirigiu o maior departamento nacional de combate ao crime económico-financeiro. Na verdade, este departamento é o DCIAP e não a 9.ª secção do DIAP que aquele efetivamente dirigiu.
Na carta, o Governo mentiu ao referir que José Guerra liderou a investigação e acusação do processo UGT, aquele que foi o maior caso de fraude de fundos comunitários e também esta informação é falsa pois o Procurador José Guerra foi apenas o magistrado presente no julgamento, não tendo acompanhado a investigação.
Mas o insólito continua quando a Ministra da Justiça, numa reunião, dá instruções concretas para a elaboração da referida carta e depois não a lê, como a própria afirma. Como é óbvio, tenho o direito de duvidar desta afirmação. Vejamos: o Governo Português decide contestar uma decisão da União Europeia, mas a responsável máxima de tal decisão do Ministério da Justiça não lê o documento que é enviado para o Conselho da União Europeia.
Repare-se que não se trata de um documento qualquer que seria elaborado pelos serviços do Ministério da Justiça. Trata-se de um documento que pretende não só contrariar uma decisão do Júri Internacional, como alterar o sentido dessa decisão. E, se a responsável máxima, se a Ministra da Justiça, não lê um documento de tão elevada responsabilidade como este, urge perguntar, o que lê a Senhora Ministra da Justiça?
Esta omissão, a ter existido como a mesma refere, é tão ou mais grave do que as informações falaciosas que constam da carta e que muito dificilmente alguém poderá aceitar como não tendo sido intencionalmente redigidas.
Onde começam, afinal, os erros? Como disse, infelizmente, parece que logo no início do processo de seleção nacional e desde então e até agora, tristemente se conclui por uma sucessão de incongruências, erros, lapsos, falsidades e irresponsabilidades.
Mas há alguma coisa de positivo que se aproveite desta história?
Do ponto de vista interno, não me parece. Tenho, ainda, esperança nas instituições europeias e naquela que possa vir a ser a decisão do Conselho Europeu, após conhecer este triste episódio e após constatar como Portugal, lamento dizer, andou muito mal neste assunto.
Artigo escrito em 11.01.2021