SNS 24 – Engodo ministerial
A nossa ministra da saúde perante a questão dos novos acessos ao Serviço de Urgência (SU) veio afirmar que os encaminhamentos da linha SNS 24 estavam a «decorrer muito bem». Afirmou, aliás, que «havia uma diminuição de cerca de 30% dos acessos ao SU».
De repetente, a pólvora surgiu no SNS.
Esta ideia brilhante, que nunca outro qualquer foi capaz de pensar, conduz a resultados nunca antes obtidos.
Colocar uma linha telefónica, gerida por um organigrama com algoritmos, teleconsultas a metro e mesmo outros algoritmos de inteligência artificial a tirar doentes das Urgências é o toque de midas genial que faltava ao SNS!
O problema, o GRANDE Problema começa porque essa linha não atende, o que dificulta logo o acesso, mas mais grave têm sido os casos delicados que vão chegando aos Centros de Saúde. Inúmeros colegas relatam encaminhamentos que são vistos à tarde (encaminhados pelo SNS 24 logo de madrugada, ou mesmo no dia anterior) muitos com critérios de SU. Ou seja, estamos a adiar observações de SU com base em algoritmos que parecem mais preocupados em não encaminhar para o SU do que dar a resposta adequada aos doentes.
Com isto vai-se assobiando para o ar e tentando disfarçar o óbvio: É evidente que sem profissionais de saúde, é evidente que sem o investimento estrutural, é evidente que sem a motivação adequada não é possível fazer omeletes sem ovos.
No meio desta confusão, percebe-se o desgoverno onde todos ralham, mas não parecem encontrar a razão… Onde está a prevenção primordial, onde está a prevenção primária, onde está esse investimento que nos vai conseguir dar ganhos em saúde e poupar dinheiro a curto médio prazo. Sim!!! Não é afinal disso que se trata? Poupar para salvar o SNS? Achamos que se deve investir em tratamentos depois da desgraça feita, ou deve-se evitar a desgraça?
Das medidas enunciadas, parece ter havido uma mão cheia de nada…. as ULS são frágeis, desviam os profissionais para tentar apagar os fogos e parece que estas parcerias com o sector social e privado, funcionam como tábuas de salvação… de quem? Será do interesse do doente? Ou haverá outros interesses?
Nos Cuidados de Saúde Primários, esta nova visão hospitalocêntrica prejudica os utentes… Se era para aglomerar profissionais, porque motivo um doente do ex-ACES Maia Valongo há-de ir ao Hospital ter uma consulta de Cardiologia, se o pode fazer numa das unidades deste ex-ACES, muito mais próximo do seu domicílio. Porque não se assume a gestão da saúde nos CSP (Cuidados de Saúde Primários) e orientação da doença nestes cuidados… porque se insiste no modelo óbvio do fracasso… modelo esse que até o NHS (equivalente ao SNS que nos inspirou no Reino Unido) já se encontra nas ruas da amargura…
A terminar não posso deixar em claro a demissão do Director Executivo do SNS. Este cargo já se provou ser inútil. Foi um devaneio do anterior proprietário do cargo que permitiu ao Ministro da Saúde de então ter uma protecção e uma poupança ao mediatismo, enquanto se aplicavam reformas que as experiências anteriores mostravam que não iam resultar… Aliás, o Dr. Fernando Araújo funcionou como uma espécie de Ministro da Saúde, sem nunca o assumir. Sendo este cargo remunerado (e com valores significativos) e com este perfil de Ministro da Saúde, faz sentido mantê-lo…? Aliás, do ponto de vista jurídico foi de tal forma difícil encontrar o seu enquadramento que foram precisos 11 (!!) meses para que a lei fosse redigida… repito … 11!!!! Meses…
Portanto, caro leitor… os Acessos às urgências não caíram 30%… pelo contrário… a probabilidade de ir ao SU e obrigarem a ligar é gigante… ir para a linha telefónica também… mas isso não conta como tempo de espera… entretanto vai-se destruindo o que melhor o nosso SNS tinha como as USF, URAPS (Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados) e outras estruturas que permitiam uma verdadeira proximidade e uma qualidade todos reconheciam.
Ricardo Oliveira, médico de família